DA CANINIDADE À LIBERDADE


Manuel, simplesmente acho que o sofrimento de cão
é normalmente um sofrimento de lealdade incontornável.
Os jornais fidelizam-nos como a cães? Fidelizam.
Degradam-se na qualidade e na abrangência aprofundada do que tratam?
Degradam. E como é que continuamos a ser-lhes leais e submissos
como cães a seus donos?
lkj
A posição do cão sofredor é ubíqua.
Se tem dono, sofre. Se não tem, sofre.
Se nunca teve, sofre. Se já teve, mas não tem, sofre.
lkj
Gabriel García Márquez põe a tónica no sofrimento canino
proporcionado pelo mau jornalismo.
O agente de esse sofrimento é portanto o jornalismo assim decaído.
O paciente é o cão-leitor. A crueldade toda está no genoma da fidelidade.
Latir não resulta, não resulta ladrar nem rosnar. Só endurar sob a pena.
lkj
Só há uma saída bastante exigente e de ruptura:
passar de cão a jornalista, produzir, tratar e publicar a própria informação
e desenvolver um caminho para divulgá-la.
Nunca como hoje, o cão-leitor também blogger
pôde desenvolver melhor mecanismos para sair do sistema de ser cão,
sofrer menos como um cão pela má qualidade do jornalismo,
para, das duas uma, ou passar a fazer sofrer os outros
como a uns cães ou devolver-lhes a dignidade de co-viajantes
no Olimpo da qualidade.
lkj
Ora penso que me acontece,
a espaços e dependendo do grau de lucidez e de descanso,
fazer imensamente e muitas vezes ambas as coisas. Por isso mesmo
não percebo de que se queixa Gabriel García Márquez e o Tarantino-Ferreira-Pinto
se ambos também fazem precisamente a mesma coisa. Um porque publica livros
e não é tão genial nem tão divo que não nos faça por vezes sofrer como coiotes.
O outro porque também é blogger, publica postas, segue a própria consciência,
mas também argumenta em defesa do seu património
e interesses posicionais de animal político,
e já chegou ao nariz dos próprios Director, sub-Directores
e sub-sub-Directores do seu Público,
ou já não foi citado e recitado, excertado e publicado em papel?! Foi!
lkj
Por outras palavras, o cão muitas vezes nem imagina o poder que tem
enquanto lambe as próprias susceptibilidades e sentido de liderança enfraquecido.

Comments

antonio ganhão said…
De cão a jornalista? A julgar pela fidelidade canina demosntrada por alguns profissionais em certos temas, apesar da irreverência assertiva em relação ao "poderoso" Bush, desconfio que estejas só a reinar!

Só somos livres na nossa irrelevância.
Anonymous said…
Admiro-te nesta tua escrita escorreita, menos cifrada e mais acessível a todos.

Admiro-te ainda mais nos teus sinceros e profundos momentos de solidariedade de letras e textos, comentários e participações.

E, essencialmente, pela lealdade que empregas.

Tenho dito.

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