PADRE MIURA II


Ocaso. Esparge-se a luz por entre nuvens negras, acasteladas, assomam raios,
o mar ganha matizes de um azul e de um verde que só se vêem em litorais meridionais,
uma linha de ouro delimita o horizonte.
Padre Miura, padre miura, lá vais tu por trás de esses óculos
a fingir uma boa consciência, quando à ovelha perdida foste tantas vezes lobo mau,
tão campeão a fustigar e a dispersar o rebanho.
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Que pena que me tenhas falhado e feito tábua rasa
de uma palavra de perdão e aproximação em tempos tida!
Ainda tiveste tempo para excluir,
tempo para desprezar,
tempo para trair o meu confiado coração: «Este é para eliminar.»
Sempre com maldições na boca, o grande burro, a grande besta!
E assim tu e esses merdas medíocres que gordamente por aí polulam,
num fingimento monumental,
sujam de limpeza desapiedada as suas vidas
porque são eles, não a vida e muito menos o Altíssimo, a seleccionar as maçãs podres do cesto
da vida! Grandes bandidos!
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Tu e esses a fazer o trabalho sujo do Grande Delapidador da esperança,
envenenando a confiança,
emagrecendo e sonegando a graça.
Por um funil escorre a bênção.
Tenho de me sentir assim justificadamente no pico da mais desgraçada insatisfação.
Se alguma vez li que me humilhaste não falhei na leitura.
Nunca te lisonjeei.
Nunca me abaixei diante de ti.
Má hora de te ter tratado sempre com desmasiada delicadeza!
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Recuso-me a amarguras na tua órbita,
recuso a palavra «poder»,
- recuso-a e não suporto essa autoridade à bruta,
essa ruindade autoritária que representas,
tu, que nunca te retratas nem reconheces erros;
tu, que nunca procuras ninguém nem inquires de um coração devorado pela revolta.
Padre, tens o diabo no corpo,
é certo que mais numas horas que noutras,
mas essas valem por anos.
Não tens maneiras, não tens calor humano.
Tens esse gelo e esses modos de bicho acossado, rudes, que odeio,
essa inflexibilidade que no fim é só merda,
essa cisma opositiva a gente simples.
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Morra o menino bem comportado e previsível, manso e ingénuo que adorarias sopear,
tu, cuja pata quereria caminhar sobre.
Esse menino diz-te arenas de chega!
Estou grávido de estar farto de esse muro de vergonha que promoveste.
Não te dar a diarreira de um milagre de contrição: milagre de alegria
e arrependimento em ti,
que espancaste o Senhor em cada pobre alma rejeitada
só no abrires a boca e meteres água,
para não dizer choca.
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Esse dia, esse grande dia do degelo de um coração petrificado,
o teu,
ficaria gravado no Céu, rasgaria o Paraíso
porque há Lá mais alegria por um bruto com as tuas responsabilidades
mas varado de enternecimento por cada criatura
que por um bruto em tudo bruto, em tudo rude.
É por isso que os sem-abrigo, como eu, e todos os pobres, como eu,
e todos os loucos e inadaptados, como eu,
todos os perdidos, e naufragados, como eu,
consabidamente frágeis e pecadores, como eu,
já Lá estamos
e tu, nem com missas a horas certas
nem com as orações com que roncas.
Arrepende-te, ó orgulhoso.
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Pede-me desculpa por qualquer coisa,
ó obstinado na mão fechada!
A gente gorda e maligna
dentro de essa Igreja
também precisa de conversão e arrependimento
pela quadratura do seu círculo feroz
na exclusão do A e do B feroz,
pela sua ingratidão de pedra,
tão filha da puta pedra!
Amen.

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