SÓCRATESGATE: IMPRENSA E AUTO-CENSURA


Se havia dúvidas, foram desfeitas: a blogosfera está em expansão, rompendo os limites impostos pela imprensa de papel. Numa fracção de coisa nenhuma, os jornais vistos como a fonte de informação, fonte certificadora de verdade e um contra-poder, revelaram, graças aos blogues, a face vendável, prostituída, de auto-censura mercenária, de manipulação desinformativa, face essa levada ao limite da caricatura com este caso SócratesGate/Universidade Independente, onde obviamente a sujidade não é meramente administrativa, mas dentro de uma lógica pagadora de favores supernebulosa de gente, neste caso, agregada ao PS, posicionada aos mais diversos níveis dos interesses, implicitamente negociando lugares, interesses e favores como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ouça-se a esse respeito Armando Vara sobre a UnI, desvalorizando os factos e argumentando o argumentário da autodesculpabilização relativa à sua licenciatura relâmpago. A partir daí, a partir da expansão da blogosfera, desencadeou-se uma legítima desconfiança - o começo do fim de essa realidade tradicional - da pequena, média, grande imprensa, afinal, em todos os casos, pequenina. Pequenina porque paga e, assim, tendenciosa, porque pagadora e devedora de favores, porque papagaio de um clube ou de um interesse, porque dependente da publicidade e, portanto, sob a sua permanente chantagem e instrumentalização estratégicas.

Há artistas e jornalistas, gente até certo ponto anónima, na blogosfera nacional, que está a cumprir verdadeiramente um papel de intervenção e de transformação-formação de um novo público, todos os dias lobotomizado pela imprensa e pelos meios de comunicação tradicionais a funcionar como uma grande morfina tranquilizadora de problemas dos quais, com alívio de muitos, nos alheamos completamente. Há artistas e jornalistas construindo todos os dias uma janela de perspectivas extraordinária. Como não esperar verdade, neutralidade, coragem, de um blogue, sendo este, como é, algo grátis e completamente independente de aprovação superior ou lateral ou inferior?

Todos os dias colecciono e descubro novos e excelentes blogues de artistas e jornalistas que se manifestam de uma independência admirável e que não estão ali para obedecer às conveniências das redacções e dos directores, mas por um imperativo de verdade. A opinião e a verificação operadas pela experiência e pela consciência cívica de muitos estão a levar aos limites as possibilidades da intervenção democrática, traindo irresistivelmente os poderes, sejam eles quais forem, santaníticos, socráticos, por exemplo, que pensavam deter ainda meios de controlo da informação delicada para si, para a sua imagem, para a moral das suas medidas, para a autoridade de elas, tornando-a, a essa informação inócua, light e pret-a-porter, desviando as atenções do público.
Isso agora é impossível.

Nem tudo na blogosfera é ouro, coragem, denúncia oportuna do mal-fazer político, económico, social ou outro: a pulhice, a maldade, a provocação rasca, o odiozinho filho da puta, a difamação, todo o nojo de uma galáxia de mentes pedidas e malígnas, gente imunda, que escoa, através de ela, os sentimentos mais abjectos e subterrâneos encontra na blogosfera o meio perfeito para medrar provisoriamente. Mas o mau, o mal intencionado, o maldoso simplesmente não poderão prevalecer e um público novo, inteligente, sensível e bem formado, seleccionará naturalmente a qualidade e extinguirá o que não preste.

Vivemos, portanto, um ponto de viragem: queremos a insegurança da verdade à segurança da mentira e os blogues proporcionam tal nível de acesso a uma compreensão multidimensional da verdade. Já fui insultado diariamente nos comentários aos meus posts poéticos por uma ou duas mentes doentias, revoltei-me, ripostei, fui igualmente estúpido, ripostando, fui igualmente doentio na defesa descabelada do que é meu e do que sou eu, perdi tempo, estafei-me. Fechei a janela de comentários, moderei-a, reabri-a, voltei a fechá-la, voltei a abri-la. Agora sei por experiência que o anonimato puro num blogue ou no panorama geral da Rede tende a ser coisa impossível: tudo é tracejável, investigável, tudo deixa em todo o lado as suas dedadas autodenunciadoras. Ninguém maldoso sai impune, seja de uma maneira, seja de outra. Seja porque se lhe dê caça, seja porque se lhe dê desprezo completo.

Interessa-me produzir, escrever, criar vida viva, procurar a verdade, exigir e verificar verdade no agir político e a todos os níveis de acção e intervenção na sociedade e, como somos milhares, e estamos unidos, aliados, interagindo todos os dias, nada bloqueará tal tarefa. Vejo nisto um nítido efeito Prometeu.

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