PAÍS DISSOLVENTE
«Parecia mesmo que os representantes do patronato e das organizações de trabalhadores falavam não com gente mandatada para executar um trabalho específico de apoio a Portugal, mas antes com ministros do verdadeiro Governo soberano. Esse sentimento saiu reforçado por uma carta que o presidente da Associação Nacional de Municípios disse ter dirigido aos elementos daquele trio na qual sublinhava que os municípios não deveriam sofrer cortes, porque em nada contribuíram para a crise. A inconsciência, a espinha dobrada, o irrealismo, a paragem no tempo e a pedinchice foram o melhor de que todos se revelaram capazes, numa moldura de subserviência que atesta a histórica dependência da sociedade portuguesa em relação ao Estado e uma memória tão frágil que, de repente, passou uma esponja sobre as loucuras do clientelismo autárquico, a protecção descarada a banqueiros e empresários e as conquistas difíceis de pagar que as reivindicações sindicais impuseram. Para os técnicos estrangeiros que os ouviram e que presenciam o que se passa agora por cá, esta vivência portuguesa corresponderá, provavelmente, a uma experiência única, difícil de esquecer. Devem balancear entre a incredulidade dos comportamentos e a crueza dos números, fazendo um esforço de tolerância e condescendência perante quem assume como normal o alheamento da realidade, como se ela não fosse marcada pelos profundos desequilíbrios económico-financeiros que se conhecem. Nem o mais generoso espírito cristão pode valer a gente assim, que deliberadamente não quer perceber a dimensão do sarilho em que mergulhou. Não há nada pior do que a cegueira intencional. UE, FMI e BCE vão pôr os portugueses a fazer aquilo a que se esquivaram até agora e abrir-lhes os olhos à força, indiferentes ao paleio oco, às ilusões de cadernos reivindicativos e à irresponsabilidade geral. Eles pagam e, por isso, mandam. No fundo, de facto, não são Governo, mas vão ditar as regras ao Governo. Quando o dinheiro falta em todo o lado, até para os salários dos militares e das forças de segurança, não se fala alto: anda-se de mão estendida. Pelo que se tem visto, nem a dignidade se salva. Bem vistas as coisas, acaba por não ser surpresa. Um povo que, a pouco mais de um mês das eleições, põe a hipótese de voltar a entregar o Governo a quem o lançou na desgraça mostra ter uma noção muito ténue do que é a dignidade. É um povo que parece gostar de andar de cócoras.» José Eduardo Moniz
Comments
a UE que nos deixou chegar onde chegámos ou o BCE que fez o mesmo....ahn....
porque nisto de culpas e de estradas pópós e estádios à farta
tivemos muita ajuda
e na destruição do que restava da indústria esventrada pelo soarismo e cavaquismo
idem....