CAMÕES, TRANSUNTO DA NAÇÃO

«Luís de Camões, em sua existência anedótica, tem razão em maldizer das funestas estrelas que lhe frustraram os sonhos de amoroso, as ambições de soldado, as comodidades de funcionário, e também, em certa medida, os triunfos de poeta; mas, se pudesse prevê-lo, quanta razão para ser grato às estrelas propícias que a sua vida essencial condicionaram ser ainda hoje o poeta mais vivo de Portugal! Singularidade na vida, como na obra. Dir-se-ia que a primeira foi providencialmente destinada para a segunda, transunto, como parece ser, da própria vida da Nação que destinada a celebrar. De Coimbra ― terra florida / leda, poesia serena / ledo e contente para mim vivia… Depois desta fase de estudante provinciano, na boémia intercalada de leituras de poetas e historiadores nacionais e da antiguidade com suas rápidas incursões na cosmografia e na filosofia, ei-lo em Lisboa, cais dos mundos velho e novo, encruzilhada de raças, trepidante do alvoroço com que, durante muito tempo, quase não aportava nau que não trouxesse notícia de novos espaços da Terra arrancados da treva que a envolvia. Ei-lo misturando, ao honesto estudo, a longa experiência de que se orgulha. Como a Pátria viera do interior para Lisboa e aqui a tentarem as seduções e as promessas do Tenebroso, que a levaram a tentar a aventura ultramarina, iniciada no salto a Marrocos, assim o seu Poeta desce de Coimbra a Lisboa e passa a Ceuta, antes da largada para o Oriente, naquela praça forte experimentando
lkj
…………………………….. a fúria rara
De Marte, que nos olhos quis que logo
Visse e tocasse o acerbo fruto seu…
lj
Canto X
lkj
Depois de tal experiência, a longa travessia dos mares, o serviço de soldado pelo litoral do Índico, a guarnição em Goa, a estadia em Macau, o injusto mando que o obriga a voltar àquela cidade, o naufrágio na foz do Mécon, onde lhe morre a moça china que trazia, mui fermosa, com que vinha embarcado e muito obrigado, mas salva o único tesouro que por lá seu génio e esforço, seu estudo e experiência haviam conseguido para o ninho seu paterno. O tesouro do Luso, como lhe chamou Cervantes.» Hernâni Cidade

Comments

Popular Posts