UM CÃO PERDIDO UIVAVA

«A tropa de Ligne havia desaparecido e apenas os municipais tinham ficado a defender o posto. Uma vaga de intrépidos lançou-se sobre a escada: foram abatidos; outros surgiram: e a porta, abalada por pancadas de barra de ferro, ressoava; os municipais não cediam. Mas uma caleche carregada de feno, e que ardia como um archote gigante, foi levada para junto das paredes. Depressa trouxeram molhos de lenha, palha, um barril de álcool de vinho. O fogo subiu ao longo das pedras; o edifício pôs-se a fumegar por toda a parte como uma solfatara; e largas chamas, no alto, entre as balaustradas do terraço, escapavam-se com um ruído estridente. O primeiro andar do Palais-Royal estava povoado de guardas nacionais. Disparava-se de todas as janelas da praça; as balas assobiavam; a água da fonte rebentava misturava-se com o sangue, fazia poças no chão; escorregava-se na lama, em vestuários, barretinas e armas; Frédéric sentiu debaixo dos pés uma coisa mole: era a mão de um sargento de capote cinzento, deitado de borco no regueiro. Continuavam a chegar novos bandos de povo, empurrando os combatentes para o posto. A fuzilaria tornava-se mais repetida. Os vendedores de vinhos estavam abertos; ia-se lá de tempos a tempos fumar um cachimbo, beber um copo de cerveja, depois regressava-se ao combate. Um cão perdido uivava. Isto fazia rir.» Gustave FlaubertL'Éducation SentimentaleCírculo de Leitores

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