UM FALCÃO AO FIM DA TARDE

Especialmente durante as minhas viagens semanais para o Sul profundo e de regresso a casa, no Grande Porto, ano passado, fui reparando, para além das majestosas cegonhas, nas pequenas aves de rapina e no seu voo inconfundível, pairando a grande altura. Pela janela obsessiva do Expresso, do Alfa ou do Intercidades, passando a Mealhada, passando Coimbra, terras de Portugal atravessadas na A1, aves e o seu avistamento é o que não falta. De então para cá, olho ainda mais para o céu. Especialmente no meu bairro. Encanto-me com o que tenho ao meu dispor. Rolas em grande número. Pombas, pardais, andorinhas, gaivotas, imensas gaivotas, no seu voo furtivo e perscrutador. E, recentemente, também falcões ou espécimens equivalentes. Ontem, ao entardecer, já com o horizonte róseo-alaranjado, tive a sorte de observar uma dessas aves. Após a passagem de um avião, mantive os olhos no céu convidativo, observando as suas matizes em toda a extensão, e aí estava ele, direcção noroeste, a uns trezentos metros de altura, estático, pairando num ponto fixo do céu. Espantoso. Estávamos em família, num bom convívio, e logo chamei a atenção de todos para o que eu via. De súbito, num exibicionismo louco, próprio de um duplo, stunt bird Evel Knievel da natureza, o pássaro desata num voo picado a altíssima velocidade, num ângulo quase vertical. Qualquer coisa de belo, emocionante e, no entanto, um espectáculo de bairro, entre as árvores e as casas. Fiquei electrizado e feliz. Feliz também por ter podido partilhar esse instante. Além de observar invejoso todo o ano os aviões comerciais que passam por cima de casa, agora tenho falcões observáveis com um pouco de sorte e paciência ou na espontânea naturalidade de reparar neles, erguendo ainda mais os olhos da esperança, da contemplação e do prazer de viver. Talvez se estejam a reproduzir por todo o lado, suburbanos, lado a lado com os seres humanos, na minha freguesia à beira-mar.

Comments

Unknown said…
Encontrar um dragão é que já é mais difícil. :)
floribundus said…
com os campos abandonados acabaram-se os insecticidas e desapareceram os caçadores de todo o ano

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