LÁZARO, VEM PARA FORA!
The Raising of Lazarus
oil on canvas, 1890,
Van Gogh Museum,
Amsterdam
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«Lázaro, vem para fora!»
E o morto ergueu-se. Um fluxo de calor percorreu-lhe o corpo,
irradiando a partir do seu coração, acordar tão automático
como quando se é desperto de repente, em sobressalto, dentro do próprio Sonho.
Aquela Voz! E que Voz! Uma Voz íntima e familiar,
que só com o ter soado nos beijava de Vida.
Estava petrificado, rígido, malcheirento
e, num súbito relâmpago sanguíneo, revivia.
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Lázaro saía do Túmulo.
Eu estava entre o Povo, lá, ao pé do Perfumado Senhor. Sei o que vi.
Aquele sudário, já manchado e húmido, descaía-lhe do corpo
como que descolando por si mesmo da primeira putrefacção.
Ainda assim, Lázaro avançava, os braços tolhidos,
as pernas tolhidas das ligaduras. Entre a Criação e a Vinda Definitiva do Reino,
depois da Ressurreição do Senhor, quase nada se lhe assemelhou
e tudo o que vemos dia-a-dia é já demasiado Maravilhoso
para ser visto como quem repara e cai em si em pleno deslumbramento!
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Era ali um silêncio espesso, enquanto o homem, que estivera morto e apodrecia,
saía de facto do negrume interior, removida que fora a Pesada Pedra Selada da Tumba.
Perto do Nazareno, era impensável a prevalência da Dor e da Morte: pelo contrário,
Núpcias. Celebração. Festa Ardente, olhares que se tocam num mesmo sentir,
como dedos e mãos entrelaçadas e a Vida fluia entre todos como um Rio Torrencial.
Era a Tal Peito que eu recostava a minha cabeça
todas as noites insomnes, entre o crepitar da fogueira e o silêncio mágico
das mais perfumadas madrugadas, rezados os Salmos.
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Era n'Ele, embalado, que adormecia, como um irmão mais novo no meio do Grupo.
E em Quem só pensava, dizendo-me muitas vezes: «Hei-de desgastar-me,
hei-de moer o meu corpo-grão por Ele, falando d'Ele.
Por Ele, Evangelho Vivo, Filho do Homem, Filho de Deus!»
Comments
Olha, se eu falar estrago, por isso:
Está transcendente!
Um santo domingo.
Por outras razões bem menos saudáveis ouvi este texto no dia em que o escreveste...
Na verdade, enquanto o padre lia as palavras - Lázaro sai - eu pensava que não havia texto menos proveitoso para a tarefa que ele tinha em mãos - encomendar a alma do meu avê a Deus.
Enquanto ouvia as palavras olhava para a minha avó e preocupava-me que o texto a chocasse. Ao invés, a chocada fui eu, por verificar que todos na igreja o escutavam, mas ninguém na realidade o ouvia. As palavras eram um arrazoado de sons para todos. Como se não fizessem eco, sabes? Como se o som batesse numa parede antes de chegar aos ouvintes que escutavam apenas uma voz distante e sem nexo, como se as palavras surgissem amalgamadas aos seus ouvidos e não fizessem sentido.
Chocou-me isto, mais do que uma morte de alguém com 94 anos bem vividos, que teve tempo para se despedir dos que lhe eram mais próximos com o sorriso que lhe era caracteristico e que foi amado em vida como será na morte...
E fez-me pensar naquilo que penso desde que me lembro de pensar - tenho que sentir, sentir tudo profundamente, mesmo a dor, a agonia. Tenho que passar pela vida a sentir, muito, tudo. Tenho que rir com a mesma intensidade com que choro. Tenho que sangrar e viver, viver tudo! Não suporto pensar que a vida passa por mim sem eu passar também por ela...
Chocam-me aqueles que estão tão adormecidos que se esquecem que a vida é para viver, e não para ser sonhada.
De outro modo, não vale a pena. Como me custa ver em torno a mim sensibilidades embotadas e não mais que embotadas. Oh santo cair do cavalo, ó acordar de um coma que se lhes assemelhe ao morder prazeroso da Maça Completa de Viver.
Beijo
PALAVROSSAVRVS REX