O GRANDE MORALIZADOR


Aqui em pose de el-Rei de Marrocos,
como brinca o João Gonçalves.
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Depois do que investigou José António Cerejo sobre as célebres assinaturas técnicas
da longínqua fase socratina no Município da Guarda,
os ânimos estão ao rubro e as opiniões profundamente divididas.
Como Mourinho, que, se não é treinador, é comentador,
Sócrates, se não for novamente, ou deixar de ser de repente, Primeiro-Ministro,
talvez venha a ser por certo um Modelo Fotográfico
e um fornecedor excelente de enredos intrincados à Sétima Arte
de como se é político na parvónia portuguesa.
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Em falando do PS, dir-se-ia que a seriedade e a ética têm de ser só para alguns:
devemos ser implacáveis com Telmo Correia, com Santana Lopes, sempre que tropecem,
mas indulgentes com José Sócrates e os seus próximos
em qualquer coisa que espirre a indevido.
Aliás, não conheço ninguém mais implacável nestas judicações que ele,
que é esmagador e tem nas mãos as melhores anotações da sua Agência de Imagem
para arrasar sem dó nem piedade os adversários.
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As coisas que vou lendo surpreendem-me deveras.
Porque, por um lado, a paixão clubística típica em muitos militantes do PS
cega milagrosamente perante quaisquer factos,
tenham a consistência e a gravidade que tiverem.
Por outro, já ninguém se surpreende com quaisquer revelações do passado
mirabolante de 'técnico' e político do homem em apreço, o que sintomatiza
a noção de que o País está num equilíbrio crítico: que o controlo das contas públicas
talvez justifique à Psique Geral Portuguesa que se engulam quantos sapos haja
de falta de idoneidade e de ética,
afinal reveladores do carácter viscoso subjacente à pessoa pública referida.
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Ele, que nos tem comprimido a paciência, a sanidade
e mesmo as nossas veleidades de felicidade, enquanto cidadãos com uma vida digna,
com medidas draconianas, a nós, que sobrevivemos, e mal!,
com o trabalho que vendemos ou com o desemprego que pastamos,
(e nisso é visto como corajoso e reformador, o mesmo é Chávez!)
já não tem qualquer margem para parecer. Mas também já não pode ser.
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Transcrevo uma posta do Francisco José Viegas a isto concernente:
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«Não partilho a ideia da superioridade moral do jornalismo,
e considero que José António Cerejo é um bom jornalista
que criou justificados anti-corpos no PS.
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Entrevistei J. A. Cerejo no longínquo «Falatório»
(RTP-2, 1997; às sextas à noite era dedicado aos média),
no dia a seguir à demissão de António Vitorino provocada pelo seu artigo no Público.
Era uma emissão com os média da semana, que antecedeu o «Primeira Página»,
que era diário.
Lembro-me do corredor que dava para o estúdio;
eu tinha escrito no meu bloco as primeiras perguntas a José António Cerejo,
o jornalista que tinha levado o vice-primeiro-ministro e ministro da defesa à demissão.
Foi já no estúdio que decidi alterar o guião;
em vez de começar pelas perguntas da ordem
(como se sente por ter provocado esta demissão?,
quando começou a sua investigação em Almodovar?, etc.),
disse «boa noite, J.A. Cerejo, tem os seus impostos em dia?»
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Lembro-me da resposta de Cerejo, resumida:
«Mas eu não sou um político.» Era um facto.
Mas era bom saber-se se um jornalista
que investiga um suposto deslize fiscal de um político deve estar,
ou não, sujeito ao mesmo escrutínio.
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Pessoalmente, penso que os jornalistas devem fazer as suas declarações de interesses
e devemos conhecê-las para não desconfiarmos (enquanto cidadãos) do que escrevem.
Talvez se acabasse com a ideia dos inconfessáveis interesses dos jornalistas,
ou de um jornalista de cada vez.
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É exactamente a falta dessa declaração de interesses que tem mantido a ideia
de que o jornalismo deve ser bacteriologicamente puro.
Acontece que a atitude de António Vitorino foi a de demitir-se,
mesmo garantindo que estava inocente e que não tinha cometido qualquer ilícito fiscal.
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Claro, houve zunzuns sobre o apetite de Vitorino sobre o governo:
que não lhe apetecia estar lá e que aproveitou a oportunidade.
Não acredito, apesar de tudo.
A ideia de que o Público imprimiu estes artigos sobre José Sócrates
movido pelo interesse da Sonae em derrubar o primeiro-ministro
parece-me zunzum igual.
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Devemos desconfiar, sim; devemos sempre desconfiar.
Mas convinha esclarecer o assunto, ou não?
Devia o Público abster-se de publicar as notícias
apenas porque o patrão é um grupo económico distribuído por telecomunicações,
madeiras & hipermercados?
Vamos e venhamos: 1) primeira parte: do ponto de vista do rigor da informação,
a primeira peça de Cerejo sobre as assinaturas de favor é inatacável; são factos;
2) segunda parte: tem interesse público o conhecimento desses factos?
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Essa é outra matéria.
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Não é crime, já se sabe, fazer aquilo que Sócrates fez,
se o fez; mas não é nada ético. Sinceramente, e sem querer fazer piada,
é um beco sem saída: se o fez, é mau;
se elaborou os estudos e os projectos daquelas casas, é ainda pior.
No primeiro caso, é mau politicamente.
No segundo caso, é mau em geral.
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Interessa, à opinião pública, conhecer estes aspectos da vida anterior de José Sócrates?
Não estamos a falar da sua vida pessoal;
não estamos a entrar na esfera da privacidade; são factos públicos.
Provando-se que são factos, têm eles interesse político?
Servem para avaliar o comportamento político de José Sócrates
ou, até, do primeiro-ministro?
Estas são as questões essenciais.
As outras relevam do puro comentário e, aí sim,
da teoria da conspiração e do combate político.
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Fazer juízos de ordem moral é fácil,
mas não é apenas isso que está em causa
(ah, porque sim, porque estamos todos a fazer juízos de ordem moral,
agora ou noutras circunstâncias), independentemente dos supostos «inconfessáveis interesses» do Público.
Uma coisa é desconfiar das afirmações dos políticos;
outra é desconfiar de todas as perguntas aos políticos.
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Há uns anos, num dos seus textos,
Agustina Bessa-Luís falava do novo exemplar de homem político;
que seria o homem comum.
Infelizmente, referia-se a Santana Lopes. Viu-se.»
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Francisco José Viegas, A Origem das Espécies

Comments

antonio ganhão said…
Não sei se percebi aqui o Viegas..

Mas tens razão, o assustador é verificar que neste momento tudo é desulpável a Sócrates. Não existem esqueletos no armário que o possa embaraçar. Afinal temos 3%!
O motivo não são os factos, nem o seu juízo, mas controlo da sua difusão que Sócrates controla, directa e indirectamente, como ninguém o fez desde o 25 de Abril de 1974.

Força, Joshua!
O homem é especialista em mistificação.E em obras, claro!

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