BAPTISTA-BASTOS: DA FOME E DA POUCA-VERGONHA


OS MIÚDOS COM FOME
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«Relatórios internacionais dizem que temos fartura de tudo:
de miséria, de desespero, de desemprego, de resignação, de mentiras;
e falta do que confere a uma pátria a fisionomia moral, cultural, cívica, social e política.
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O retrato perturba. Perturba quem? As camadas da população mais sovadas:
eu, tu, nós. Eles, vós, os outros, pertencem à lista que reivindica uma outra forma de viver:
na abastança obscena, causadora da mais excruciante das desigualdades.
lkj
Ainda há horas, recebi, mensagem electrónica,
o rol de alguns privilegiados, cujos ordenados, mordomias, pensões,
subsídios, indemnizações pertencem à etimologia da pouca-vergonha.
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E o DN de anteontem adicionou, ao infortúnio do viver português,
a desgraça de que um quinto dos nossos miúdos está em risco de pobreza.
A saber: a miséria nunca toca duas vezes.
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O desemprego: origem de todos os males. E o emprego está sempre em risco.
Mesmo trabalhando, milhares de pessoas sobrevivem na faixa da pobreza.
O eterno divórcio entre política e moral,
e entre História e ética não justifica a reprodução, multiplicada, dos privilégios.
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Estes valores dominantes, sustentados por partidos ditos de "esquerda",
estão a criar o favorecimento da sua própria relegação.
Quando a Sedes, sempre com atrasos históricos consideráveis,
alerta para os perigos de uma grave cisão social,
com eventuais convulsões de rua, reabilita, toscamente,
o que Ortega y Gasset chamou "a rebelião das massas".
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O pensamento sistemático da "globalização" não conseguiu sistematizar o mundo;
e o monotema do "socialismo moderno",
com Tony Blair na batuta e Guterres e Sócrates na flauta,
foi a metáfora de um capitalismo desprovido (como, aliás, lhe compete)
de emoção humana.
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O capitalismo nunca anunciou a felicidade na Terra,
enquanto o "socialismo moderno", e seus habilidosos e loquazes tribunos,
prometeram tudo e mais alguma coisa.
lkj
As duas páginas que o DN consagrou à pobreza atingem-nos como uma afronta.
Mas é importante que jornais importantes persistam em falar na importância da infâmia.
A denúncia da atroz realidade não constitui um ressentimento
sem motivo nem um ódio monográfico aos grandes privilégios,
embora Balzac tivesse escrito que todas as fortunas assentam num crime
- e quem sou eu para desdizer Balzac?
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As convulsões sociais que se pressagiam vão carecer de mediadores
capazes de compreender o que está em jogo.
Assim como de reavaliar os conceitos de "exploração" e de "alienação",
que permitem explicar, de uma outra maneira "política", o País onde vivemos.
lkj
Este país, dirigido por uma gente improvisada e insensível,
a tal ponto, que empurra dois milhões de miúdos para a faixa da pobreza.
Eufemismo que quer dizer: têm fome.»
lkj
Baptista-Bastos, in DN, 27 de Fevereiro, 2008

Comments

antonio ganhão said…
Ainda há horas, recebi, mensagem electrónica,
o rol de alguns privilegiados, cujos ordenados, mordomias, pensões,
subsídios, indemnizações pertencem à etimologia da pouca-vergonha.


Presumo que pelo facto de não ter citado minguém em particular, já não é demagogia...
Pata Negra said…
Joshua, estou a começar a gostar deste Baptista Bastos através de ti - ele que te diga obrigado!
Um abraço e muito obrigado ao Joshua e ao Batista com p...

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