O PORTUGUÊS NA LITERATURA BRASILEIRA

       «Entrou primeiro na varanda o Bento Cordeiro. Português dos seus trinta e tantos anos, arruivado, feio, de bigode e barba cavanhaque. Gabava-se de grande prática de balcão; chamava-se 'um alho'. Para aviar encomendas do interior não havia outro! Cordeiro "metia no bolso o capurreiro mais sabido".
         Dos empregados da casa era o mais antigo; nunca, porém, lograra ter interesse na sociedade, continuava sempre de fora, e tinha por isso um ódio surdo ao patrão; ódio, que o patife disfarçava por um constante sorriso de boa vontade. Mas o seu maior defeito, o que deveras depunha contra ele aos olhos das  raposas  do comércio; o que explicava na Praça a sua não entrada na sociedade da casa em que trabalhava havia tanto tempo, era sem dúvida a sua queda para o vinho. Aos domingos metia-se na tiorga e ficava de todo insuportável. 
       Bento atravessou silencioso a varanda, cortejando com afectada humildade o cónego e Ana Rosa, e seguiu logo para o mirante, onde moravam todos os caixeiros da casa.
        O segundo a passar foi Gustavo de Vila-Rica; simpático e bonito mocetão de dezasseis anos, com as suas soberbas cores portuguesas que o clima do Maranhão ainda não tinha conseguido destruir. Estava sempre de bom humor; lisonjeava-se de um apetite inquebrantável e de nunca haver ficado de cama no Brasil. Em casa todavia ganhara fama de extravagante; é que mandava fazer fatos de casimira à moda, para passear aos domingos e para ir aos bailes familiares de contribuição, e queimava charutos de dois vinténs. O grande defeito deste era uma assinatura no Gabinete Português, o que levava a boa gente do comércio a dizer "que ele era um grande biltre, um peralta, que estava sempre procurando o que ler!"
          O Bento Cordeiro bradava-lhe às vezes, furioso:
          — Com os diabos! O patrão já lhe tem dado a entender que não gosta de caixeiros amigos de gazetas!... Se você quer ser letrado, vá para Coimbra, seu burro!»
l
O Mulato, de Aluísio Azevedo, 1881, São Luís do Maranhão, p.p. 32-33

Comments

Popular Posts