RASGUE-SE JÁ O ACORDO MERDORTOGRÁFICO!

Tipicamente português é isto: que a porcaria do chamado Acordo Ortográfico nem tenha suscitado grande entusiasmo nem grande rejeição e porventura seja essa morna coisa lusa o balanço possível no final do 1.º período do ano lectivo em que se introduziu nas escolas portuguesas a Merdortografia. Sou Poeta e sou professor de Língua Portuguesa e conheço suficientemente tudo o que diz respeito a este ingénuo AO, com todos os recursos disponíveis a fim de sedimentá-lo, para lhe conhecer 70% de impraticabilidade e 90% de inconveniência, dada a sua lógica disruptiva e destrutiva de uma ortografia que nos vertebre o carácter nacional e nos não descaracterize dentro da nossa tradição europeia apenas para menor glória nossa e nossa maior submissão política a uma lógica de força brasileira e não de História. Se ainda há dúvidas sobre certas regras é porque são regras do laisser écrire laisser passer, isto é, regras que desregulam o irregular, abrem caminho ao absurdo elevado à quinta casa. A reflexão de Fernando Venâncio, além de historiar esta lusofónica quimera quixotesca, explica como e porquê o AO não nos serve de todo: «Mais discutível é a supressão do acento em para e pára, que soam diferentemente no português europeu e deveriam continuar desambiguados. Como ler doravante «João, para o carro!» sem informação extratextual? Bizarro é, também, o uso facultativo do acento em certas formas verbais, tornando indecifrável, em Portugal, um bilhete que diz «Pagamos hoje» ou «Não demos nada». Simplesmente, a questão das «consoantes mudas» tem bem maiores, e mais onerosas, implicações. Um exemplo disso, em versão simplificada: só a supressão do «c» em finais de tipo-acção (o cálculo é do investigador Francisco Miguel Valada, num artigo em Diacrítica) produz um aumento exponencial de «excepções», num sistema de regras que, até hoje, quase não as conhecia. Para um Acordo que visava «simplificar», é obra. Um eventual leitor brasileiro há-de perguntar-se que há, nisto, de tão espantoso. Eu explico. No português europeu, duas palavras como nação e fracção soam diferentemente, pelas consoantes iniciais, decerto, mas também porque o primeiro «a» de nação soa fechado (como o «a» carioca no final de «casa») e o de fracção soa aberto. Ora bem, essa abertura é indicada por aquele «c» mudo.»

Comments

floribundus said…
desapareceu fisicamente Cesária Évora.
fica a 'sodade'

sobre a língua:
o importante é conseguirmos comunicar,
como mostrou Cesária
Anonymous said…
O dito acordo tem alguma coisa a ver com comunicação? Pensei que o Casteleiro já tinha esclarecido que era uma questão de política e não de linguística (entrevista ao Expresso 29 de Fevereiro de 2008).
Mas sobre comunicação: a língua não serve apenas para «comunicar». Serve para pensar, construir hipóteses, conceitos...
E não se pensa além da língua... a língua não é uma «máquina» para traduzir o pensamento, mas para o produzir. Não pensamos independentemente da língua, por isso não basta que os outros percebam mais ou menos um rol de compras mas que saibamos usar aquilo que é um instrumento de alta precisão para percebermos o que nos rodeia.
O acordo envergonha a língua portuguesa.

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