FRONDA EM TORNO DO NADA E DA AMARGURA
«E todas pareciam ressentidas, amarguradas, fora do tempo. Era um encontro de reformados. De gente que pode ter tido um grande passado mas que vive o drama de não ter futuro.» |
«As imagens transmitidas pela TV do encontro das esquerdas na Aula Magna fizeram-me imensa impressão. A idade da maioria das pessoas era bastante avançada.Figuras que eu conheci relativamente novas estavam ali velhas, a defender ideias diferentes das que defendiam antes. E todas pareciam ressentidas, amarguradas, fora do tempo. Era um encontro de reformados. De gente que pode ter tido um grande passado mas que vive o drama de não ter futuro. E unida apenas por sentimentos negativos de vingança ou ressentimento. Não as animava um projecto, não havia uma vontade comum, não queriam construir nada; a única coisa que pretendiam era deitar abaixo o Presidente da República e o Governo. Aquelas pessoas reviviam o tempo do PREC, da agitação irracional, da emoção incontida, a que nem faltou uma sublevação das forças da ordem. Mas já lá vamos. Embora fosse uma reunião das esquerdas, existia uma distinção clara entre nobreza e povo: os 'nobres' sentavam-se num sector isolado à frente (onde estavam Almeida Santos, Ferro Rodrigues, Maria de Belém, João Semedo, etc., e em que havia muitas cadeiras vazias), o 'povo' apinhava-se atrás e aplaudia com muito mais convicção. Julgo que Mário Soares, Pacheco Pereira e outros que lutaram contra o PCP no pós-25 de Abril não se terão sentido confortáveis a receber o aplauso cúmplice dos militantes do PCP e do BE, que enchiam a zona reservada ao 'povo'. Mas pior seria se Freitas do Amaral e António Capucho, que chegaram a estar previstos, tivessem ido. Como se sentiriam estes, que nunca andaram pelas 'esquerdas', no meio de tanta gente ululante, de punho direito erguido? Embora as pessoas reunidas na Aula Magna dissessem querer defender a Constituição, na realidade estavam a afrontá-la. Porque exigiam a demissão de um Presidente e de um Governo democraticamente eleitos. Aliás, Soares deveria lembrar-se que foi esmagadoramente batido por Cavaco Silva nas eleições de 2005, e que, há menos de três anos, Cavaco teve mais votos do que todos os candidatos da esquerda juntos. Que legitimidade tem Soares para exigir a demissão do PR e do Governo? E sabe o que isso custaria ao país em termos de desconfiança internacional e de juros? Em qualquer sociedade há uma linha que separa o que é aceitável e democrático do que é antidemocrático. Os que estiveram na Aula Magna puseram-se do lado de lá dessa linha. Colocaram-se fora do campo democrático. Foi exactamente por isso, aliás, que António José Seguro não foi: porque quer que o seu partido continue do lado da legalidade. Não quer misturar-se com gente que diz que é preciso «correr com eles à paulada». Neste sentido, a presença de António Costa foi um tanto desconcertante. Mas é preciso ver que Mário Soares o apoiou ao longo da vida, que o seu pai era comunista, e que portanto tem tradições nesta área. O que não se percebe mesmo é a associação à iniciativa por parte do presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira. Ele subiu ao poder apoiado pela burguesia do Porto - aquela burguesia liberal a que pertenceu Sá Carneiro e inclui advogados da Foz, empresários, banqueiros, bem como gente humilde que tem empurrado o país para a frente; ora, que pontos de contacto poderá haver entre estas pessoas e a esquerda serôdia da Aula Magna? Quando a Aula Magna estava ao rubro, com Soares a discursar, tinha lugar em S. Bento um ensaio do 'assalto ao Palácio de Inverno'. Polícias manifestavam-se em frente do Parlamento, forçavam o cordão policial e invadiam a escadaria. E enquanto os agentes aos gritos subiam os degraus, os manifestantes da Aula Magna aplaudiam frenéticos. Foi uma verdadeira cena de filme. Mais uma vez se percebia quem estava do lado da legalidade e quem não estava. Sobre estes acontecimentos, gostaria de dizer o seguinte: a Polícia é vista como um exemplo pelos cidadãos e por isso tem responsabilidades especiais. Um polícia não pode desrespeitar a lei, pois a sua missão é exactamente defendê-la. Aqueles polícias que invadiram as escadarias colocaram-se a si próprios numa posição insustentável: como vão amanhã impedir manifestantes civis de fazerem o mesmo? Que autoridade terão para isso? E os colegas que os deixaram furar a barreira terão cumprido as suas obrigações? Na Avenida 24 de Julho, centenas de camionetas de turismo, que tinham trazido de todos os pontos do país os polícias rebeldes, esperavam pelo fim da manifestação. O cenário fez-me lembrar os dias em que a CGTP se manifesta. Muitos daqueles guardas seriam simpatizantes da central sindical comunista. Ora é muito difícil servir ao mesmo tempo dois senhores. Ninguém é obrigado a ir para a Polícia - mas, quem vai, aceita o encargo de defender o cumprimento da lei e respeitar as instituições. Os polícias que invadiram as escadarias de S. Bento, aplaudidos pelos manifestantes da Aula Magna, transpuseram também a linha que separa o legal do ilegal - e portanto puseram-se fora da lei. Espero que o país perceba o perigo que isso representa. De hoje para amanhã os polícias podem virar-se contra as instituições que se comprometeram a defender. Podem virar-se contra a democracia.»
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