POEMA A BOCA FECHADA

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é doutra raça.
lj
Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.
kj
Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.
kh
Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei,
Não poderá morrer sem dizer tudo.
lkj
Os Poemas Possíveis, 2ª edição, Editorial Caminho, Lisboa, 1982

Comments

Maria Ribeiro said…
JOSHUA:poema perfeito, na mensagem-claríssima-de luta contra a censura!Pode dividir-se em duas partes distintas: a primeira, desde o princípio até(...sobem dedos...)marcada por aquilo que"Nao direi..."mas que "vou" dizendo ,sem aceitar a mordaça; a segunda parte é, naturalmente , a íltima quadra, onde "(Só direi...)"; mesmo assim, o Advébio de Modo "Crispodamente..." é a chave do desencanto!
Depois de Abril/1974 este poema -não devia ser preciso escrevê-lo----lembra o "antes"...
Abraço

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