PORTUGAL

Portugal,
eu quero falar contigo!
Não faças esses olhos de quem viu o lobisomem.
Achas esquisito que eu queira falar contigo?
É que tenho coisas muito importantes para te dizer
e só agora arranjei a coragem suficiente.
l
Portugal,
eu tenho vinte e dois anos
e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos.
Que culpa tive eu que Dom Sebastião fosse combater os infiéis
ao Norte de África só porque não podia combater a doença
que lhe atacava os órgãos genitais e nunca mais voltasse?!
Às vezes quase chego a acreditar que é tudo mentira,
que o Infante Dom Henrique foi uma invenção da Walt Disney
e Dom Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente.
l
Portugal,
tu imaginas o tesão que sinto quando ouço o Hino Nacional – que «os meus egrégios avós» me perdoem!
Ontem estive a jogar ao póquer com o Velho do Restelo
[ele anda na consulta externa do Júlio de Matos, deram-lhe uns electrochoques e está a recuperar à parte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas].
l
Portugal,
eu se tivesse dinheiro comprava o império e dava-to!
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir!
l
Portugal,
eu vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém, sabes?,
eu estou loucamente apaixonado por ti!
Pergunto a mim próprio como me pude apaixonar por um velho decrépito, idiota, como tu, mas que tem o coração doce, e ainda mais doce que os pastéis de Tentúgal e o corpo cheio de pontos negros para eu poder espremer à vontade.
l
Portugal,
estás a ouvir-me?, eu nasci em 1957,
Salazar estava no poder,
[nada de ressentimentos];
o meu irmão esteve na guerra,
[nada de ressentimentos];
tenho amigos que emigraram,
[nada de ressentimentos];
um dia bebi vinagre,
[nada de ressentimentos].
l
Portugal,
eu ia propor-te um projecto eminentemente nacional:
que fôssemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou.
l
Portugal,
sabes de que cor são os meus olhos?
são castanhos como os da minha mãe.
l
Portugal,
eu gostava de te beijar muito, mas muito apaixonadamente, na boca.
l
Jorge de Sousa Braga

Comments

Anonymous said…
Os edifícios, os textos, a poesia, os pensamentos, as artes, os grandes actos, as coisas boas - verdadeiramente boas - não têm data, e ficam para sempre. Votemos os pedantes-cheios-de-nada, que se vangloriam em tempo real nas têvês e jornais, ao desprezo da nossa inteligência.

Ass.: Besta Imunda

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