MANIFESTO ANTI­DANTAS E POR EXTENSO

José de Almada ­
Negreiros
Por José de Almada ­Negreiros
POETA D'ORPHEU FUTURISTA e TUDO
[Uma pitada de êxtase e é só servir com a Voz de Mário Viegas]
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Basta, pum, basta!!!
Uma geração que consente deixar-­se representar por um Dantas 
é uma geração que nunca o foi.
É um coio d'indigentes, d'indignos e de cegos!
É uma resma de charlatães e de vendidos,
e só pode parir abaixo do zero!
Abaixo a geração!
Morra o Dantas, morra! Pim!
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Uma geração com um Dantas a cavalo é um burro impotente!
Uma geração com um Dantas à proa é uma canoa em seco!
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O Dantas é um cigano!
O Dantas é meio cigano!
O Dantas saberá gramática,
saberá sintaxe,
saberá medicina,
saberá fazer ceias pra cardeais,
saberá tudo, menos escrever,
que é a única coisa que ele faz!
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O Dantas pesca tanto de poesia que até faz sonetos com ligas de duquesas!
O Dantas é um habilidoso!
O Dantas veste-­se mal!
O Dantas usa ceroulas de malha!
O Dantas especula e inocula os concubinos!
O Dantas é Dantas!
O Dantas é Júlio!
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Morra o Dantas, morra! Pim!
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O Dantas fez uma Soror Mariana
que tanto o podia ser
como a soror Inês
ou a Inês de Castro,
ou a Leonor Teles,
ou o Mestre d'Avis,
ou a Dona Constança,
ou a Nau Catrineta,
ou a Maria Rapaz!
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E o Dantas teve claque! E o Dantas teve palmas! E o Dantas agradeceu!
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O Dantas é um ciganão!
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Não é preciso ir pró Rossio pra se ser pantomineiro,
basta ser-­se pantomineiro!
Não é preciso disfarçar-­se pra se ser salteador,
basta escrever como o Dantas!
Basta não ter escrúpulos nem morais, nem artísticos, nem humanos!
Basta andar com as modas, com as políticas, com as opiniões!
Basta usar o tal sorrisinho,
basta ser muito delicado e usar coco e olhos meigos!
Basta ser Judas! Basta ser Dantas!
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Morra o Dantas, morra! Pim!
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O Dantas nasceu para provar que nem todos os que escrevem sabem escrever!
O Dantas é um autómato que deita pra fora o que a gente já sabe que vai sair...
Mas é preciso deitar dinheiro!
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O Dantas é um soneto dele ­próprio!
O Dantas em génio nem chega a pólvora seca e em talento é pim­pam­pum.
O Dantas nu é horroroso!
O Dantas cheira mal da boca!
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Morra o Dantas, morra! Pim!
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O Dantas é o escárnio da consciência!
Se o Dantas é português, eu quero ser espanhol!
O Dantas é a vergonha da intelectualidade portuguesa!
O Dantas é a meta da decadência mental!
E ainda há quem não core quando diz admirar o Dantas!
E ainda há quem lhe estenda a mão!
E quem lhe lave a roupa!
E quem tenha dó do Dantas!
E ainda há quem duvide de que o Dantas não vale nada,
e que não sabe nada,
e que nem é inteligente, nem decente, nem zero!
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Vocês não sabem quem é a Soror Mariana do Dantas? Eu vou-­lhes contar:
A princípio, por cartazes, entrevistas e outras preparações
com as quais nada temos a ver,
pensei tratar­-se da soror Mariana Alcoforado, a pseudo autora
daquelas cartas francesas que dois ilustres senhores desta terra
não descansaram enquanto não estragaram pra português,
quando subiu o pano também não fui capaz de distinguir,
porque era noite muito escura,
e só depois de meio acto é que descobri que era de madrugada
porque o bispo de Beja disse que tinha estado à espera do nascer do Sol!
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A Mariana vem descendo uma escada estreitíssima, mas não vem só,
traz também o Chamilly, que eu não cheguei a ver, ouvindo apenas uma voz muito
conhecida aqui na Brasileira do Chiado.
Pouco depois, o bispo de Beja é que me disse que ele trazia calções vermelhos.
A Mariana e o Chamilly estão sozinhos em cena, e às escuras,
dando a entender perfeitamente que fizeram indecências no quarto.
Depois o Chamilly, completamente satisfeito, despede­-se e salta pela janela
com grande mágoa da freira lacrimosa. E ainda hoje os turistas têm ocasião de observar as grades
arrombadas da janela do quinto andar do Convento da Conceição de Beja, na Rua do Touro,
por onde se diz que fugiu o célebre capitão de cavalos em Paris e dentista em Lisboa.
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A Mariana, que é histérica, começa de chorar desatinadamente
nos braços da sua confidente e excelente pau de cabeleira, soror Inês.
Vêm descendo pla dita estreitíssima escada várias Marianas,
todas iguais e de candeias acesas, menos uma que usa óculos e bengala
e anda toda curvada prá frente, o que quer dizer que é a abadessa.
E seria até uma excelente personificação das bruxas de Goya,
se, quando falasse, não tivesse aquela voz tão fresca e maviosa
da tia Felicidade da vizinha do lado.
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E, reparando nos dois vultos, interroga espaçadamente com cadência, austeridade,
e imensa  falta de corda: «Quem está aí?... E de candeias apagadas?»
«Foi o vento», dizem as pobres inocentes, varadas de terror...
E a abadessa que só é velha nos óculos, na bengala e em andar curvada prá frente,
manda tocar a sineta que é um dó d'alma o ouvi-­la assim tão debilitada.
Vão todas pró coro, mas eis que, de repente, batem no portão
e sem se anunciar nem limpar­-se da poeira,
sobe a escada e entra plo salão um bispo de Beja que quando era novo
fez brejeirices com a menina do chocolate.
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Agora, completamente emendado, revela à abadessa
que sabe por cartas que há homens que vão às mulheres do convento
e ainda há pouco vira um de cavalos a saltar pla janela.
A abadessa diz que efectivamente já há tempos
que vinha dando pela falta de galinhas
e tão inocentinha, coitada, que naqueles oitenta anos
ainda não teve tempo pra descobrir a razão da humanidade
estar dividida em homens e mulheres.
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Depois de sérios embaraços do bispo é que ela deu com o atrevimento
e mandou chamar as duas freiras de há pouco com as candeias apagadas.
Nesta altura, esta peça policial toma um pedaço d'interesse
porque o bispo ora parece um polícia de investigação disfarçado em bispo,
ora um bispo com a falta de delicadeza de um polícia d'investigação,
e tão perspicaz que descobre em menos de meio minuto o que o público já está
farto de saber,­ que a Mariana dormiu com o Noel.
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O pior é que a Mariana foi à serra com as indiscrições do bispo
e desata a berrar, a berrar como quem se estava marimbando pra tudo aquilo.
Esteve mesmo muito perto de se estreitar com um par de murros na coroa do bispo,
no que se mostrou de um atrevimento, de uma insolência,
e de uma decisão refilona que excedeu todas as expectativas.
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Ouve-­se uma corneta tocar uma marcha de clarins
e Mariana sentindo nas patas dos cavalos toda a alma do seu preferido,
foi, qual pardalito engaiolado, a correr até às grades da janela,
a gritar desalmadamente plo seu «Noel!»
Grita,
assobia,
rodopia,
pia,
rasga-­se,
magoa-­se
e cai de costas
com um acidente, do que já previamente tinha avisado o público,
e o pano também cai e o espectador também cai da paciência abaixo
e desata numa destas pateadas tão enormes e tão monumentais
que todos os jornais de Lisboa no dia seguinte foram unânimes
naquele êxito teatral do Dantas.
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A única consolação que os espectadores decentes tiveram
foi a certeza de que aquilo não era a soror Mariana Alcoforado,
mas sim uma merdariana­ aldantascufurado
que tinha cheliques e exageros sexuais.
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Continue, senhor Dantas, a escrever assim, que há­-de ganhar muito com o Alcufurado
e há­-de ver que ainda apanha uma estátua de prata por um ourives do Porto,
e uma exposição das maquetes pró seu monumento erecto por subscrição nacional do "Século"
a favor dos feridos da guerra, e a Praça de Camões mudada em Praça do Dr. Júlio Dantas,
e com festas da cidade plos aniversários,
e sabonetes em conta "Júlio Dantas"
e pasta "Dantas" prós dentes,
e graxa "Dantas" prás botas
e Nívea "Dantas",
e comprimidos "Dantas",
e autoclismos "Dantas" e "Dantas", "Dantas", "Dantas", "Dantas"...
E limonada "Dantas­ Magnésia".
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E fique sabendo o Dantas que se um dia houver justiça em Portugal
todo o mundo saberá que o autor de Os  Lusíadas é o Dantas
que num rasgo memorável de modéstia só consentiu a glória do seu pseudónimo Camões.
E fique sabendo o Dantas que se todos fossem como eu,
haveria tais munições de manguitos que levariam dois séculos a gastar.
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Mas julgais que nisto se resume literatura portuguesa? Não, Mil vezes não!
Temos, além disso, o Chianca que já fez rimas prá Aljubarrota
que deixou de ser a derrota dos Castelhanos pra ser a derrota do Chianca.
E as pinoquices de Vasco Mendonça Alves passadas no tempo da avózinha!
E as infelicidades de Ramada Curto!
E o talento insólito de Urbano Rodrigues!
E as gaitadas do Brun!
E as traduções só pra homens do ilustríssimo, excelentíssimo, senhor Mello Barreto!
E o frei Matta Nunes Moxo!
E a Inês Sifilítica do Faustino!
E as imbecilidades do Sousa Costa!
E mais pedantices do Dantas!
E Alberto Sousa, o Dantas do desenho!
E os jornalistas do Século e da Capital e do Notícias e do Paiz
e do Dia e da Nação e da República
e da Lucta e de todos, todos os jornais!
E os actores de todos os teatros!
E todos os pintores das Belas ­Artes e todos os artistas de Portugal que eu não gosto.
E os da Águia do Porto e os palermas de Coimbra!
E a estupidez do Oldemiro César e o Dr. José de Figueiredo Amante do Museu
E ah oh os Sousa Pinto hu hi e os burros de cacilhas e os menus do Alfredo Guisado!
E o raquítico Albino Forjaz de Sampaio, crítico da Lucta,
a quem o Fialho, com imensa piada, intrujou de que tinha talento!
E todos os que são políticos e artistas!
E as exposições anuais das Belas­ Artes!
E todas as maquetes do Marquês de Pombal!
E as de Camões, em Paris;
e os Vaz, os Estrela, os Lacerda, os Lucena,
os Rosa, os Costa, os Almeida, os Camacho,
os Cunhas, os Carneiros, os Barros,
os Silvas, os Gomes,
os velhos, os idiotas, os arranjistas, os impotentes, os celerados,
os vendidos, os imbecis, os párias, os ascetas,
os Lopes, os Peixotos, os Motta,
os Godinho, os Teixeiras, os Câmara,
os diabo que os leve,
os Constantino, os Tertuliano, os Grave, os Mântua,
os Bahia, os Mendonça, os Brazão, os Matos,
os Alves, os Albuquerques, os Sousas,
e todos os Dantas que houver por aí!!!!!!!!!
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E as convicções urgentes do homem Cristo Pai
e as convicções catitas do homem Cristo Filho!...
E os concertos do Blanch!
E as estátuas ao leme, ao Eça e ao despertar e a tudo!
E tudo o que seja arte em Portugal! E tudo!
Tudo por causa do Dantas!
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Morra o Dantas, morra! Pim!
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Portugal, que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa
e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas!
O exílio dos degredados e dos indiferentes!
A África reclusa dos europeus!
O entulho das desvantagens e dos sobejos!
Portugal inteiro há-­de abrir os olhos um dia, ­
se é que a sua cegueira não é incurável,
e então gritará comigo, a meu lado,
a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
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Morra o Dantas, morra! Pim!
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José de Almada Negreiros
Poeta d'Orpheu
Futurista E Tudo
1915

Comments

floribundus said…
infelizmente a cegueira é incurável.

'na terra dos cegos
quem tem olho do cu é rei'

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