NÃO AGUENTO 24 HORAS DE INDIGNAÇÃO

Tenho sido um indignado crónico, especialmente a partir de 2005. Não me perguntem porquê. Foi um flash negro, uma impressão fortíssima de aviltamento, uma sensação de traído da Política, de espectador impotente de uma desgraça anunciada, apesar da palavra longa e afiada que passei a desembainhar no Palavrossavrvs Rex. O facto de testemunhar o desleixo dos Partidos, todos os Partidos, para com as pessoas concretas, de ver desfilando a avidez sectária arrogante e a incúria demente com que o Partido Socialista foi poder absoluto e impudico, até ao crescendo de sofrimento social que hoje afinal se transforma no caos da agenda cacofónica de 15 de Setembro e 2 de Março, determinou me revolvessem as vísceras da mais funda abominação. Mas nada acontece. Nada acontecer em Portugal tem sido o golpe de misericórdia nas minhas energias de protesto, no meu ímpeto reformista e amoroso-revolucionário. 

Lá, onde, por exemplo, no 15 de Setembro se rejeitava a Taxa Social Única, não se pôde evitar e rejeitar a hecatombe fiscal que 2013 haveria de testemunhar, não se pôde sacudir o torpor demagógico dos aburguesados partidos de Esquerda que se colam, como abutres, à evidência da nossa tragédia, ao cheiro infecto do nosso sofrimento, adesivos abusivos da nossa dor, casa assaltada, única coisa que fazem aliás. Não se pôde fazer mais nada, senão exprimir o nosso sofrimento sem agenda, as agruras da nossa falta de dinheiro sem reforma da representatividade parlamentar, sem consequências em transparente actuar político, sem o dom do plebiscito frequente e imediato, como na Suíça, às políticas que nos tocam e às lógicas que fazem de Portugal uma arena estupenda para a escravidão laboral e a injustiça salarial mais escandalosas: entre o que abicha Mexia mês após mês e o que pelintra um desempregado a diferença é todo um regicídio para coisa nenhuma, todo um Auschwitz em lume brando com milhões de morituros portugueses a quem ninguém poderá valer.

Estou, portanto, indignado com a desordem e o desespero sem metas dos indignados como eu: estou farto dos gajos que insistem em raciocinar dentro do sistema dos Partidos, com esperança nos Partidos, e retóricas de Partidos e repetições repetidas, com a Traquitana de Esquerda Demagógica dentro, como o Daniel Oliveira, a mais recente primadonna utopista que sonha um PS transmutado em Esquerda impossível, quando se trata de um dos Partidos de Poder mais comprometido com a MerdDireita dos Interesses Estabelecidos, da Alta Finança, sicut erat in principio, et nunc, et semper, et in saecula saeculorum. Amen

O meu desemprego circunstancial agora e potencial no futuro próximo, bem como a minha garantia de nenhum direito futuro a uma pensão, uma reforma, ou coisa que o valha, determinaram em mim a partir de Setembro último uma atitude diferente de luta e resistência só consumadas a partir de Janeiro: não posso dedicar-me ao ódio sem ser devorado por ele e consumido pela negrura das suas exigências. Não odeio, portanto. Não desejo propriamente que o Governo caia nem me entrego a odiá-lo, portanto, por mais perplexo e indignado com a linha seguida até aqui, secundada pelos burocratas desumanos de Bruxelas e dos outros lugares onde se planificam tragédias. 

Reparo que a exigência de demissão deste Governo oferece como alternativa o salto no escuro e no vazio onde nem sequer nos é dado beppe-grillosar o voto, por descargo. Impossível vir com um catarro de Esquerda para odiar seja quem for e o que for: preciso de responder com amor à fatalidade do meu empobrecimento e mais amor ainda ao recuo inexorável do Estado de lá, onde tudo era grátis, fácil, garantido, creditado. Preciso anular-me. Entre odiar e enxertar porrada argumentária no Borges e no Passos ou amar pacientemente quem me condena à venturosa vida de sem-abrigo virtual, prefiro amá-los e beijar-lhes as mãos. Ser infeliz e pobre com ódio ou pobre e feliz com amor faz toda a diferença substancial para o meu suicídio sorridente de português bem servido, rodeado de empresas cumpridoras e cidadãos exemplares. Quem, como eu, suporta e ama comentadores por vezes intolerantes, tantas vezes iletrados, muitas vezes insultuosos apenas porque sim, só tem mais é que amar os que gizam pobreza e indigência em massa no luminoso Portugal de hoje e amanhã.

Ora, eu já decidi amar incondicionalmente. Amar banqueiros ou ex-banqueiros como o Pinhal que choram os seus milhares e os seus milhões, naquela voz delicada e doce onde, a cada inflexão, há delícias sexuais e sensibilidades eróticas que se desprendem como se despencam bagos de um cacho maduro. Eu, que nada tenho [e a quem ninguém da nada, literalmente nada], agarrar-me-ei aos meus parcos cêntimos e procurarei ser feliz já, sim, com ar e vento e a penhora ubíqua ao ar que respiro pelo Salgado-BES, que essa nunca falha. Tenho conseguido. Odiar, insultar, rebaixar políticos, pessoalizar a minha indignação dá em zero. Sócrates, ainda hoje ri de mim e eu começo a rir com ele de mim-palhaço. Concentrei todo o meu poder de fogo numa careta ordinária e desonesta, num mau carácter com imensa lata. Esperei tudo da Justiça para ver Dias Loureiro preso e outros facínoras com milhões mal levados metidos dentro. Não obtive absolutamente nada. Nada que protegesse Portugal do seu beco. Nada que me fizesse justiça. Estou indignado. 24 horas indignado. Mas vou amar e dar amor. Respirar. Ler. Olhar as flores. Aprender do Céu as cores e odores. Escrever sátiras e brincar com os cromos quotidianos da política, aqui. Ódio é que não.


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