PEDRO PASSOS CARALHO NÃO ACORDA

Ontem, pela milésima vez diante da TV para assistir a mais um debate parlamentar, percebi como somos patetas nas francas expectativas colocadas em cada megamanifestação pacífica, repleta de insultos e pedidos de demissão que não mordem, cartazes-desabafos a vermelho contra a traição dos políticos e o terror pela miséria semeada já sentida ou iminente.

Para mudar algo, prioridades, acentos, sensibilidades governativas internas e globais externas, nem que fosse o discurso seco de um Primeiro-Ministro, remetido ao seu etéreo assento de estrelas cristalino, para qualquer coisa de mais afinado com o que sofremos, teríamos de ocupar a rua dias consecutivos, pacificamente, se conseguíssemos, ou suicidar-nos em massa, ou organizar-nos meticulosamente, descobrindo uma unidade semelhante à dos dedos de uma mão. Mas percebi sobretudo como é completamente tonto quer o que um Passos Caralho desta vida tenha a dizer quanto a isso quer o que um verdadeiro paneleiro político como Sócrates disse alguma vez em circunstâncias muito semelhantes. É que nisso são iguais. Lidam connosco, apesar de nós, e tal é imperdoável. Os mundos da rua e da decisão política, sobretudo no pico desta crise cega, mostram-se irredutíveis e não deveria ser assim. Ouvir não quer dizer ceder. Sentir com empatia a dor e a impaciência das massas não leva necessariamente à kryptonite de converter em hesitante e fraca a decisão resoluta do decisor.

Compreendo a mensagem de firmeza que Passos Coelho queira passar à boleia do elogio estrangeiro, mas não aceito a desorientação verbal e mental subjacente, por exemplo, ao efeito na economia de baixar o salário mínimo. A proposta para o aumento do salário mínimo emitiu-a ontem António José Seguro e Passos, que declarou não ter margem para tal, justificou-se no argumento de que o aumento do salário mínimo não diminuiria o desemprego, pelo contrário, e que a Irlanda havia começado por lidar com o seu Programa de Ajustamento baixando desde logo 10% o salário mínimo, de valores muito superiores aos de Portugal. Na verdade, entre nós não faz sentido baixar o que já é humilhante e desestimulante numa sociedade que não premeia o mérito, antes o equaliza à mediocridade.

Nisto não acompanho o sr. Primeiro-Ministro e os técnicos que lhe fermentam o cérebro por pronunciamentos ambíguos. Acredito que há margem para aumentar o salário mínimo. Acredito que o desemprego tem muitíssimo mais a ver com a carga fiscal do que com a carga salarial. Acredito que a diminuição da actividade económica não serve os propósitos nem qualquer veleidade de correcção de um défice excessivo ou do pagamento da dívida. Somos milhões os que, dia após dia, guardamos os trocos no bolso. Não compramos nada. Uma fruta. Nada. Desempregados ou ordenado-minimizados, o nosso consumo tem todas as razões para ser nulo e é, mesmo num contexto de partilha de despesas domésticas, caso dos que regressaram com os filhos a casa dos pais-avós. Não se pode falar em diminuição do que é mais que diminuto, irrisório.

Agora o que se torna odioso, inesperado e desajustado é que um Primeiro-Ministro tenha necessidade de ostensivamente declarar-se alheio aos protestos da rua e demarcar-se de um modo pouco sensato do seu clamor: por que não dizer antes «Sim, somos sensíveis às frustrações dos cidadãos. Sim, trabalhamos para o bem dos que nos insultam e compreendem mal. Sim, a situação nacional é crítica, mas estamos limitados ao espartilho do Memorando e da herança leviana da última versão governativa PS. Sim, temos falhado previsões sucessivas em parte por fanatismo reformista à ceguinho-seja-eu, indo além-da-Troyka, onde a sensatez aconselharia prudência e delicadeza com a economia.»!? Flagelar a economia, limpando-a com darwinescos 23% de IVA na restauração, tendo em conta o desemprego acrescido, suicídios directamente relacionados, e outras desgraças geradas, custa muito a engolir.

Mas, para além de tudo, estava na hora, aliás, de hostilizar menos o PS, esse partido de deslize e devastação geral sob o escudo-justificação democrática: não justicializarás a política para que ela continue luzidia e anafada nos seus negócios inteiramente alheios à res publica. Hostilizar menos, mas com todos os escrúpulos: a única coisa boa que se salva no PS que está no Parlamento, apesar de tudo, é mesmo Seguro, por muito fraquinho que seja. Seria necessário aliás um estômago de betão para cooperar de peito aberto com esse resto de lastro socratista que respiga rapazolasmente ao fundo da bancada: aturar os sorrisos alarves e as bocas parvas do Galamba, apupando com a mão em concha em torno dos beiços; aturar as garotices sonsas da Isabel Moreira «Bons tempos! Bons tempos!» dizia ela ontem, órfã da escória e do lixo; levar com as barbas e bocarras do risonho Pedro Nuno Santos ou com a cara de cu de Paulo Santos e as desdenhosas caretas de bebé sem xuxa de Pedro Marques! É de facto um friso de estarrecer de onde o conceito «cooperar» foge a sete pés. Se são estes os jovens turcos do PS, quero assistir sentado à cambalhota de um descrédito ainda mais fatal, aborto anunciado.

De Seguro até Gaspar e Portas se aproximaram na passada Sexta-feira, o que foi um sinal patriótico de absoluto bom-senso e sentido de Estado. Passos caminha por paços insondáveis. Tal como Sócrates, grande besta negra de todas fraudes e do máximo de petas, a cuja fronha sem vergonha, fixado-sexualmente ou não, toda a santa garganta puxa escarro, incluindo Freitas do Amaral, Pedro Passos Caralho não está a acordar para uma mensagem inclusiva de Povo, a que mais convém à magna tarefa tutelada pela Troyka, mensagem que nos persuada e dê ânimo, nos inclua e se interesse por nós de facto. Se não é para mobilizar-nos que serve um Governo e explicar-nos translucidamente o que vem a ser esta merda de pílula amargosa, que se foda o Governo!

Comments

Floribundus said…
o país está falido
sem regresso

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