A PROSÓDIA DO AMOR E DA FÉ

Há muito me dei conta da música que habita uma frase banal. Com que melodia e acentos e inflexões se diz o amor e a raiva? Com que melodia se dizia tudo isso há mil ou dois mil anos? Como ler qualquer texto sem o revestir dessa alma por que clama o corpo morto dos caracteres dispostos no túmulo do papel ou do ecrã. Não é por nada, mas não leio coisa nenhuma sem lhe emprestar a minha voz e, portanto, a minha alma. Se rezo, digo-o convicto e saboreio o que digo, milimetricamente vivido. E ontem, quando rezávamos, tu e eu, com as meninas embaladas nas nossas vozes, deitados os quatro, foi exactamente assim. Cantei quanto disse. Numa penumbra amena, o quarto respirava luz e a brisa, tal como a mansa luminosidade lunar, surdia e saudava. E vieram ao coração e depois à voz todas as orações aprendidas na nossa infância. Uma a uma, palavra a palavra, beijámo-las. Concluíste que eram belas, «Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, pois que a ti me confiou a Piedade Divina, hoje e sempre me governa, rege, guarda e ilumina. Ámen. Angele Dei, qui custos es mei, tibi commissum pietate superna, me hodie illumina, custodi, rege et guberna. Amen.». Âncoras da nossa mortalidade.

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