NA PONTA DE UM CORNO

Até há poucos dias, Portugal parecia recuperar da valente sova macroeconómica que os últimos dois anos comportaram. Pendurados na ponta de um corno, índices como o desemprego sorriam sem parecer martelados ou sazonais. Agosto destruiu essa ilusão. Se há passos, são ténues, mínimos, embora em frente. A surpresa foi geral, mormente para aquelas franjas extremadas que fazem do derrotismo e do mal-fodidismo traves-mestras do combate político e da simplista dicotomia Esquerda-Direita a teoria automática com que se explica o desconcerto do Mundo: para esses, nunca nada está bem e por isso todas as boas notícias têm atenuantes que as transformam em más na mesma. Há eleições? Logo, os números estão ser maquilhados. Concedo a maré de mensagens positivas como espuma de conveniência para os partidos do Poder. Mas nada de dogmas. Se recuperámos, recuperámos como?! Graças a quê? A que milagre? Muitos apontam o turismo nórdico massivo por todo o País. Outros acrescentam que, além dele, temos recebido carradas de asiáticos e norte-americanos com dinheiro para gastar. O Banco Central Europeu parece não ter culpas nem inocências relativamente à ainda alta das taxas de juro, 7,4%, a dez anos para a dívida pública portuguesa nos mercados, apesar dos referidos sinais de recuperação. Preço da pueril crise de Julho? Talvez mais dias de sol, mais dias felizes, nos tenham levado a perder o temor de consumir e lá voltamos aos mínimos de sabor e dignidade, fazendo das tripas coração. Por exemplo, eu, que tenho testado viver segundo um minimalismo extremo, salvaguardando a minha felicidade espiritual e alegria de viver haja o que houver fora de mim, estive três dias em Viana, Ponte de Lima e Braga, sob algum mecenato de uma idosa rapioqueira por quem zelo. Os turistas eram bem mais que os autóctones, desfrutando dos nossos ares, das nossas vetustas pedras, bebendo nas tascas e restaurantes o nosso vinho e a nossa cerveja, olhando com gula as nossas paisagens, gargalhando e convivendo sob um sol audaz de churrasco. O nosso sol. Gente de todas as idades. A mesma coisa no meu Porto, que percorro, sentindo comovido cada ruela sob os meus passos, sob o meu tacto. Os dias frios e sombrios aprestam-se e logo se verá a cor global deste ano. Acredito que algo de bom sucedeu, no meio de tanto sofrimento, que isso ficará patente e poderá ser argumento ao negociar. Porque a dívida é insaciável, exigem-nos ainda mais cortes que lhe garantam a pagabilidade pelos anos advenientes. O serviço da dívida é quem mais ordena. Paira no horizonte mais retracção e angústia. Porém, sem fé não há futuro. Nada mais cancerígeno e tóxico que excesso de pessimismo e a exposição ao enxerto de porrada da realidade. Enfronharmo-nos nela, suprema estupidez. Há sempre esperança na ponta de um corno.

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