TENHO COMIDO AMORAS DO CAMINHO

Tenho comido frutos silvestres do caminho. Amoras. Uvas. Inaudita doçura. Paro. Fico à beira-ruínas, esticando muito o braço para alcançar os mais túrgidos. Quinze minutos entre colher e comer. Às vezes mais. Ignoro os carros que passam e talvez pasmem por trás do meu atrevimento recolector. Acho que voltei àquela espontânea pureza da primeira infância de não andar nada preocupado senão com cada minuto grávido de si-minuto no meu dia, entre amar, cuidar, entre ler, escrever, correr. Suor. Todos os dias, a cada dia, chova ou não, tenho o meu Mar só para mim, adorado e tocado da minha praia, já esvaziada de hereges cegos ao grande e macio verde, já livre de apóstatas do sagrado rebrilho, espumoso, azul. Uma hora a contemplá-lo e adestro-me para todos os combates estáticos nas vastas estepes da consciência. Cada onda, coleando por sobre rochas milenares, é minha e saúda-me. Cada rumor de maré que brame e brade é voz interior para mim. Setembro crepuscular. Embrenham-se os humanos no que os devora. Conservar o ilusório possuído. Aumentá-lo. Mínimo e Minimal, floresço mais leve, estável, feliz. Nómada de todos os Possíveis, minha Praia, meu Mar voltaram a ser só meus, coisa-pleroma só para mim, único a vê-los.

Comments

Anonymous said…
Depois da estrondosa derrota e humilhação do teu candidato ontem, não há realmente muito mais que possas fazer do que comer amoras silvestres.

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