PORTUGUESA POISSONIÈRE
Há várias horas que Sócrates, se fosse um líder normal, num país normal, num Estado de direito normal, se teria demitido. Por se saber que o poder político compra e subverte a Justiça a seu favor e a favor dos mais esconsos interesses perversores da lei da concorrência económica, política e técnica, valha que, durante um ano, a PJ de Aveiro escutou acidentalmente o primeiro-ministro enquanto escutava autorizada e deliberadamente Vara e outros suspeitos. Tudo a bem de um País livre de corruptos, tiranos e de agentes políticos acima da Lei, apesar das Leis iníquas que preparam para si, para as suas trapalhadas, para o seu corromper dos bastidores. O Verão de todas as eleições teve como grandes derrotados Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite e como grandes soutiens e protectores do Primeiro-Ministro, a figura independente e grada de Pinto Monteiro. Essa Lisboa vaporosa, possuída pelo Poder Político reeleito, o mais zombeteiro de Portugal de que há memória, está atenta às cascas de banana que lhe lançam, mas ataca paranoicamente e por grosso tudo o que mexe: jornais, TVs e outros meios. O lado pequerrucho e amarelento da alta criminalidade política está ao léu e há quem se ressinta. Revela o omnívoro e omnisciente Ministro da Defesa que só para quatro meses há cinquenta e duas cassettes: é obra, o pertinente lixo acumulado de que o ministro tem conhecimento tão íntimo. E o Correio da Manhã, aparentemente ainda não comprado nem domesticado pelo poder socratino, ousa acusar corajosamente Sócrates de crime grave: «manipulação da Comunicação Social» ferindo a tão útil e popular presunção de inocência, a qual, com a Lei privativa acauteladora dos políticos, são dois dos álibis mais cínicos que certo poder político criou para permanecer impune e não tirar jamais consequências políticas imediatas dos seus deslizes e abusos. Ainda bem que Manuela, do ex-Jornal Nacional, deseja ser assistente num eventual processo: talvez a sigam alguns milhares de portugueses exigentes com o nível dos seus líderes. Entretanto, o mesmo Procurador-Geral da República, esse estrénuo trabalhador da Lei, homem isento e absolutamente independente, declara, preto no branco ou no rosa choc, que a divulgação do conteúdo das escutas faria esvaziar o balão, conforme já dissera, caso abrisse o processo Freeport, que outro balão se esvaziaria, coisa que não fez. De novo, aparentemente não o poderá fazer porque o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu, ontem mesmo, anular e destruir essas escutas: «A decisão de Noronha Nascimento foi tomada poucas horas depois de lhe serem entregues, em mão, informações complementares sobres as escutas que haviam sido pedidas ao Ministério Público de Aveiro [...] O presidente do STJ terá considerado as escutas nulas e irrelevantes do ponto de vista criminal.» Mas já se percebeu que a dinâmica social, todos os limites de paciência de essa vestigial e anémica Opinião Pública Portuguesa, vão ao invés das boas intenções em Noronha do Nascimento. Fazer das pessoas parvas tem os seus custos, esforcem-se embora comedores de brioches e pastéis de nata como o extragracioso Emídio Rangel e outros oníricos.
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