SÓCRATES NÃO LÊ MARTIM


O Martim, que é um homem muito alto, escreve com uma generosidade enternecedora, própria lá das alturas em que volita, onde certamente algumas misérias ainda não ressoam com o dramatismo e o desespero que se vêem pelas ruas. Sucede que a Sócrates tanto se lhe dá. Vêmo-lo dizer inanidades, coisas voluntaristas e redondas sem convicção nem moral para as dizer: «A Polícia investiga. A Justiça julga. Os culpados são punidos.». Coisas todos os dias desmentidas porque o sistema que o elegeu também depende dele. Ora esse regime geral e alargado de dependências estende-se à Justiça, com provas dadas, aliás e infelizmente, dos frutos bloqueadores e pouco claros com que se celebrizou negativamente em Portugal. Não faltam exemplos de felgueirização da política ao mais alto nível, de obscuridade completa dos seus agentes primeiros. De modo que enquanto o apodrecimento social, político e económico não foi ainda mais completo em Portugal, como se vai desenhando, e enquanto, por isso mesmo, as pessoas não compreenderem a casta de incompetentes que elegeram, casta de sôfregos por domínio absoluto, de desqualificados manhosos, nenhum efeito moralizador se reproduzirá. Uma sociedade fracturada nos estilhaços de todos os egoísmos suicidários aliena-se precisamente nas ilusões conclusivas do CSI ficcional enquanto a realidade colapsa à sua volta com entorses massivas à Verdade e a uma Justiça independente, célere, certeira. Falta de respeito e de clareza para com os cidadãos é o nome do meio de Sócrates. O primeiro a dar o pior exemplo é ele desde logo no modo como desvaloriza a sociedade civil, manipulando e mentindo por interpostos media, e destrata o adversário parlamentar, não cooperando lucidamente com ele. Mais ninguém leva à perfeição o lado ultracretino da política: mentiras de bastidor propaladas, verdades económicas represadas, show mediático sem sentido, culto personalista caro, forma de cuspir no dinheiro dos impostos que pagamos, pequenos golpes e contragolpes palacianos dos quais sai sempre reforçado porque é o mais rato e o mais vulperino em toda a espécie de intrigas concelhias, sondagens ao serviço dos desígnios do poder, pagas a peso de ouro, chantagem profissional sobre professores, enfim, actos de pura manutenção do poder pelo poder, numa vaidade, numa avareza e num desdém pela alteridade absolutamente confrangedores. Portanto, o Martim escreve, escreve, mas está a pregar aos peixes. O bicho é mau, vaidoso, mal formado e não aprende a lição elementar das democracias avançadas: as sociedades estão-se borrifando para o lado sexy dos políticos se os números são a marca de uma governação falhada. Incompetentes, ávidos e sexys (como o que o gato enterra) há muitos. Pena este povo só de palermas!

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