ESTADO SOCIAL FORNICA O PESSOAL
Tenho orgulho em quem não tenha pejo de rasgar o verniz da treta com que o Regime se recobre. Tecnocrata, eficiente, tecnológico, o paradigma rasgado pelo socratismo e em vigor rasura a Arte, atropela a questão ética e humanista. Olha-a como empecilho e como não pertinente. Um caminho destes, político, valorativo e cultural, gera cretinos e insensíveis: conhecemo-los bem pois são esses que nunca se demitem nem admitem crítica ou contestação. Tenho orgulho naqueles e naquelas que transformaram uma cerimónia de treta, com Sócrates dentro, sentado na primeira fila do auditório, num momento de rara autenticidade. Foi hoje: o primeiro-ministro e o ministro do Ensino Superior viram-se apanhados por uma acção de protesto de cerca de uma dúzia de estudantes da Academia do Porto durante a cerimónia de abertura do ano lectivo do Institutos Superiores Politécnicos, no Porto. Depois da actuação de um grupo de estudantes da Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo e, sem cerimónias, três estudantes entraram inesperadamente no palco do auditório do Instituto Superior de Engenharia do Porto, entregando ao ministro Mariano Gago uma «medalha por fazer com que Portugal seja o país da Europa onde as famílias mais gastam com educação»: o Estado Social é pesado e caro, mas é Estado Social e o socialismo defende o quê? O Estado Social. Um outro estudante leu um comunicado de protesto em voz alta perante um auditório cheio: «Nós, estudantes da Academia do Porto, em protesto nesta cerimónia oficial, dizemos que não há cerimónias porque nos últimos 15 anos as propinas aumentaram 400 por cento em Portugal.» O Estado Social paga propinas a doer, mas é Estado Social. Ou ainda: «Não há cerimónias quando a resposta a um pedido de bolsa demora em média quarto meses». O Estado Social anda a gozar com o pessoal. Depois de lerem doze frases de protesto, os estudantes gritaram o refrão: «Acção Social não existe em Portugal» e, no auditório, exibiram ainda uma faixa em que se lia: «Gago, quanto pagaste de propinas?» Um membro do ISEP ainda tentou retirar os estudantes do palco, mas desistiu, deixando o protesto decorrer até ao fim. O grupo acabou por abandonar o local no final da intervenção da presidente do Instituto, Maria do Rosário Gamboa, tornando a gritar «Acção social não existe em Portugal». Castrem-nos, calem-nos, enganem-nos, exijam o politicamente correcto, andemos na linha! Vereis como nos continuam comendo a pouco e pouco. Aliás, um pouco hoje e um pouco amanhã. Não sobrará de nós nem osso nem cartilagem. Ah, grandes jovens! Viva a Arte! Viva a literatura mal comportada, viva!
Comments