UMA PATROA INTERMITENTE


Muito poucas vezes narrei factos associados à mulher intermitente do meu Patrão.
Em primeiro lugar, por ser de facto uma mulher intermitente na vida dele
e, em segundo, porque a minha 'posição posicional' no Pub, em face do que fui ouvindo
da sua actividade arvorada em gestora ali
(antes da minha chegada, despedira imensa gente! Limpara, e talvez bem!,
um balneário viciado.) não augurava nada de bom para mim.
Falar dela seria tratar de uma fonte de angústias e receios.
Fiquei a saber que, para cortar com todas as despesas com pessoal ali,
ela fora capaz de reduzir uma casa daquelas necessitada de seis funcionários,
como acontece agora, para somente dois,
o que me conduziu a grandes reservas e enorme desconforto em face de ela,
sempre que, raramente nestes nove meses, a via acercar-se do Pub
e tenuemente esboçava fugazes poses e importâncias autoritárias
de chefia e de gestão espúrias.
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De modo que elencá-la em narrativa aqui, nesta minha página que se sonha enlivroscer,
desexorcizaria o meu único foco de tensão, insegurança e receio.
É que eu conhecia-a muito bem havia anos, a ela, brasileira conterrânea e sogra
do meu cunhado, ela foi, durante o tempo de esse casamento da filha,
quase parente e quase família minha por convívio e por encontro naturais,
mas só ali, no Pub, a pude apreciar no seu estilo complicativo, emaranhado,
e perturbador, na sua autoritarite e ascendente consentido
pelo meu patrão sobre ele mesmo e, claro, ainda mais sobre todos os demais.
O casamento acabou. Deixara de ser sogra.
Estava portanto pronta a pragmatizar a gestão do Pub,
atingindo-me em cheio na minha necessidade,
e eu, que nunca lhe acatara fosse o que fosse, teria agora de lhe sentir o peso,
aceitá-lo ou então arriscar-me à sua ira flex-simplex-insegurantex, despedidex.
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Na verdade, esse pendor intermitente e essa aparição dela muito ocasional no Pub,
depois de longos meses de ausência e ainda maior intermitência e fugaz comparência,
voltou a desagudizar-se somente agora e com uma gravidade tal
que o meu lugar de porteiro e proto-segurança, depois de esta Noite conflituosa,
está verdadeiramente ameaçado.
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As intermitências da minha espécie de patroa intermitente
são de toda a ordem. Sendo casada, é hesitante e intermitentemente amante
do meu Patrão, dada a rejeição estável do marido de todas as coisas maritais com ela,
apesar da remanescência do vínculo formal do matrimónio
porque são civilizadamente amigos e têm filhos
aos quais parece não quererem desgostar formalisticamente.
Porém, as zangas e arrufos entre o meu Patrão e a Patroa Intermitente
são tão frequentes, a ligação entre eles ao mesmo tempo é paradoxalmente tão simbiótica,
que é comigo e com quem calhe que o homem vai desabafando,
fazendo queixas, reiterando insatisfações
tudo a par de um indefectível conformismo rendido à mulher que tem,
tal ela como é, com todos os defeitos e sobretudo com todos os desassossegos.
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Paz houve no Pub e límpido funcionamento, sempre que aquela mulher se manteve longe.
Agitação, perturbação e desassossego, sempre que, e foi raro nestes nove meses,
graças a Deus!, se aproximou e orbitou o Pub elipticamente,
além de orbitar elipticamente, como um cometa hesitante e duvidoso,
o meu Patrão.
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De modo que a minha reserva justificadamente receosa em relação àquela mulher
e o alfobre cheio de narrativas galhudas e mansas do meu Patrão com ela,
conduziram-me a que muitas vezes, como amigo,
aberta e livremente eu lhe dissesse isto ou algo de similar:
«Ó pá, arranja uma mulher que te faça feliz e não te foda o juízo.
Se eu te vir feliz com outra mulher, que verdadeiramente te queira
e isso se veja verdadeiramente bem, também ficarei verdadeiramente feliz.
Mas nisso, como em tudo o que te diga respeito, tu é que sabes!»
Porque ele vinha e dizia: «Zanguei-me outra vez com a Má-Britney.»
E contava que as zangas eram quase sempre por causa de dinheiro,
porque ela tinha espírito de imigrante, que é o espírito de regressar e de hiper-amealhar,
e que por isso não juntava definitivamente os trapos com ele e olhava a cada cêntimo dado,
que ela o ultrapassara num negócio e o desconsiderara noutro,
que sentira ciúmes aqui e ali, que ela não fora capaz de lhe emprestar sequer vinte euros
numa hora de aperto, quando mais ele precisava. Meu Deus, quanta queixa!
Tanta fraterna cumplicidade a queixar-se-me dela!
Mas eu dizia-lhe aquilo, no zénite da minha preocupação,
e acrescentava que, no limite, ele é que sabia.
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E soube tanto que lhe foi espetar com essa minha recomendação-desabafo por estes dias.
Obviamente, que eu sei a sufocação de contas e de liquidez de que ele padece.
Sei-lhe a falta de dinheiro, os apertos continuados à sua escala.
Não paga a ninguém. Vai pagando. Nunca tem dinheiro para nada. Vai tendo.
Sei que mantém muita gente a trabalhar ali porque são imigrantes, pacientes
e aceitam receber, tal como eu, a conta-gotas, porque a necessidade aperta. Por isso,
percebi bem que aquele homem-banana, consciente da minha situação difícil
e que me prometera protecção, trabalho e vencimento, quando aflitivamente lhos pedi,
agora me atirava covardemente com aquela espécie alimária feroz,
a sua intermitente mulher, à falta de coragem de me despedir por ele mesmo,
por estrita necessidade, vendo-se afinal nessa contingência.
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A pressão dela sobre mim por merdas e questõezinhas de merda
era algo a que sempre me furtara, desvalorizando-as à nascença,
atribuindo-lhes nula importância também porque é confuso ter dois patrões alvitrando
opostos, sugerindo contrários, conflituando nos pormenores, na personalidade e no estilo.
Mas nunca escondi ao meu Patrão arriscadamente as insatisfações, todas elas!,
por certas palavras e tiques de essa mulher e patroa intermitente para comigo.
Pensar que ela é também imigrante e não poupa nenhum dos imigrantes como ela,
pensar que não condescende com coisa nenhuma num rigorismo estúpido e postiço,
pensar que não tem contemplações com ninguém, que é crua,
que é mais papista que o papa,
que é mais insensível e reles precisamente com as pessoas-que-ela-é: imigrantes.
Exactamente, todos os que sejam como ela, imigrantes,
ela pisa, despede, alivia da tabela de pagamentos do Pub.
Ora, de mim tenho eu narrado aqui, nesta página que se quer livro,
que me sinto e efectivamente sou imigrante na minha própria terra.
Portanto...
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Portanto, hoje, a pretexto de uma merdita qualquer, ela abriu peixerescamente o livro,
armou a tenda e a barraca, soltou a verve maliciosa contra mim
porque eu sempre me comportei como uma ameaça
à sua necessidade de afirmação gorada ali.
Ei-la contra mim, com os seus olhos muito arregalados.
Com o seu longo cabelo preto de quarentona arisca.
E umas agressivas orelhas que surdiam do longo cabelo preto,
dando-lhe uma estranha aparência surrealista, lembrando um boneco,
desses cujas orelhas ponteagudas e parabólicas também surdem dos barretes,
como é o caso dos Estrunfes, da cabeleira negra do Spoc,
talvez de quaisquer dos sete anões, fora o carácter ponteagudo,
ou mesmo do gnomo Orelhas e dos duendes Sonso e Maffarico,
conhecidos colegas brinquedos do Noddy.
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Fora uma noite fraquíssima em clientela. Cedo a casa ficara vazia.
Pois foi diante de todo o staff que se lembrou de me gritar vexatória e malevolamente:
«Estou com você por aqui.» Essas palavras circuncidaram-me logo a garganta, levando-me
a reagir e a rebater aquilo. Mas era a confirmação de todas as minhas suspeitas de perigo,
de miséria ao largo, de desemprego, de ainda maior penúria, de ainda maior aperto,
de ainda maior angústia. «Mesmo a calhar!», pensei eu. «E logo agora,
que tenho em imensos clientes amigos, cúmplices de conversa, de gostos,
de opiniões, de convívio e boa interacção intensa...
Logo agora que visto a carne da minha função
com plena naturalidade e felicidade e prazer...»
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Que eu não tinha o direito de interferir entre ela e o Patrão, que eu isto e aquilo,
que eu roçava (mentira!) maliciosa e desastradamente o meu corpo no dela
e no de uma outra moça lá empregada e já despedida.
E gritava, grunhia, enérgica como uma peixeira, em fluxo discursivo contínuo,
sem respeito ou interesse pela minha versão. Ameaçadora como uma bruxa antiga,
batia no balcão com a palma da mão, tentava surfar furiosamente
em qualquer coisa que eu dissesse,
num tesão de animal selvagem batendo a pata no pó,
em despique pelas fêmeas e por território, só por eles escoucinhando assim ridiculamente.
E instava o meu Patrão: «Ou ele ou eu. É a mim que você mete na cama.
Você vai ficar aí sem me defender? Não vê ele a vir para cima de mim?»
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Mas na verdade, o meu patrão não se mexia, entretido com as parcas contitas da Noite,
a contar o escasso dinheirito com uma outra colaboradora, imigrante cubana,
a escondê-lo disfarçadamente no bolso de trás, bem longe do olhar dela,
porque ele tem uma contabilidade secreta e paralela, que lhe é, à Patroa Intermitente,
completamente desconhecida e também me envolve a mim. Manteve-se por isso impávido.
Calado. Enfiado. Triste. Símio. Numa tristeza de banana já oxidada de tão madura.
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Durante algum tempo, tentei rebater aquele tom, aquelas acusações, aquela insanidade,
mas percebi que fora precisamente o meu Patrão a dar todo o fuel agressivo
àquele doberman fêmea em rédea solta sobre mim-carniça,
e que tudo o que eu tivesse a dizer ali seria completamente inútil. Eu parei. Ela parou.
Tudo o que ela tinha a dizer era apenas pretextual. Nunca escondi que não a suportava.
Mas nunca até ali se tornara evidentemente tão útil ao meu Patrão partilhar com ela
todos os sinais de repugnância funcional que, sem medo de perder, fui emitindo
sobre aquela mulher. No fundo, o acossador fora ele,
fora ele a acicatá-la a agir na vez dele contra mim,
para, com um descartar-me facilitado e natural,
começar a conter a despesa. Inútil resistir.
Era afinal um acto de gestão. Tudo é afinal um acto de gestão!
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Passada a tormenta, já a sós, eu e o Patrão como de tantas e tantas vezes,
imbriquei um cumprimento numa pergunta: «Até amanhã???»
«Até amanhã! Depois conversamos.» - respondeu-me. E acrescentou:
«Quer dizer, se isto lhe passar. Se não lhe passar,
então teremos mesmo de conversar.»
Portanto, sinto-me, porque o estou, meio despedido.
Estarei amanhã completamente despedido?
Se se declarar terminado o meu trabalho ali,
talvez nem assim terminem as minhas poetonarrativas
noctívagas sobre o meu célebre Pub,
nove meses bem no Ventre Nocturno do Porto.

Comments

KImdaMagna said…
Dentro da ordem natural das coisas,
um fecho origina sempre a explendorosa abertura.
Faço votos para que seja completamente despedido.
E faço-o por boas "intenções".Não é a Diferença a Deusa da criatividade?

Xaxuaxo
Joaninha said…
"nesta minha página que se sonha enlivroscer,"

Ainda bem que sonha, porque bem merece.

Óh Josh....

Promete não paras de escrever as cronicas do Pub.... Para mim seria uma tristeza enorme.
E não queres ver uma Joaninha triste, pois não?
Rosna-lhe meu amigo, ou então faz como eu, virgula-te.

Beijos!
Joaninha said…
Postei uma coisa que gostava que lesses se poderes.

Bjs

Bom fim de semana.
Pata Negra said…
Não fosse a tua escrita escorreita e peganhenta - que se pega, no bom sentido é claro! - que eu não teria atendido o teu desabafo atá ao fim. Não te aconselho um convento de cartuchos porque calculo que não "os" tenhas para tão pouco mas estou certo que outras portas e portarias encontrarás como ganha-pão!
Se alento te falta! Não te falta o talento!
Já experimentaste a província?!
Um abraço de Trás os Matos
Pata Negra said…
This comment has been removed by the author.
Pata Negra said…
Já cá estou outra vez para "desduplicar" o comentário e te dar força no decisório. O "ventre" está agendado para amanhã, à sexta só há leitão!
Um abraço da mesma camioneta
Tiago R Cardoso said…
Penso que a palavra certa é foda-se, foda-se lá a sorte de um homem.

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