A DESPROPORÇÃO. O HOMEM DAS DUAS ESLAVAS. SEIS NÓRDICOS

1. Há noites em que, neste Pub Portuense que mal e a más horas me paga,

a desproporção de homens e de mulheres é de oito para dois ou pior ainda.

Vêm eles lamentar-se à porta, dizendo-me do desgosto.

É quando eu penso na falta redentora que o Brasil faz ao Portugal

no masculino, onde se passa uma fome de cão

além de um tratamento abaixo de canino a que se está sujeito

pelas raras fêmeas frígidas de cá gélidas.

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2. Quer entrar agora um sessentão gordo como um barril de tinto, feio,

vestido como os merceeiros de antigamente,

calças à anos cinquenta, aros carregados, espaço medial entre dentes na arcada superior.

Está com duas prostitutas eslavas.

Vem perguntar-me do consumo mínimo.

Esclareço-o.

Vai e explica às mulheres que traz a hierarquia do negócio,

vá lá, negoceia a sua envolvente comparticipativa.

Só pode ser merceeiro!

Entram. Elas altas. Ele baixo e rotundo como uma pequena dorna.

É o português invisível e suave, discreto e simpático que não dispensa as suas putas

e pensa em grande, tão infinitas são as suas necessidades de tacto e alívio.

São as eslavas de belos olhos e rosto suave, pálido,

na missão e bons serviços da adorável carne.

lkj

Duas horas depois, saem os três.

Ele sai infeliz por ter pago os consumos, mas feliz, porque agarrado à preferida,

a mais bonita, preenchida e atributada das duas.

A outra, menos provida de sinuosidades,

caminha paralelamente ao casal assimétrico. É trabalho.

Ele sabe o que quer e fará com que tratem bem dele, artística

e complementarmente, como boas profissionais,

fantasia de todos os que não se consentem hipocrisias,

afora o ter de pagar.

lkj

3. Entram agora seis homens provindos do Norte da Europa profundo,

dinamarqueses, alemães, suecos, talvez.

Entram pesados, num passo arrastado e pesado.

Saem um par de horas depois pesadíssimos, silenciosos,

com sussurros graves, guturais, quase imperceptíveis,

num passo arrastadíssimo e triste (talvez alegre e satisfeito para eles)

todos gordos, todos enormes, todos cinquentinos, azulados ocularmente,

níveos nos cabelos e mais uma vez tristes, infinitamente inexpressivos.

Consta nos cartões terem bebido três cervejas cada.

lkj

E o meu instinto era proporcionar-lhes um Brasil inteiro

que os fizesse mais sensórios, sensoriais, sensuais, emotivos, expressivos,

latinos, essa grande vocação planetária.

Há um gelo horrível em chegar-se assim aqui ao Sul

com tal glacial fleuma,

talvez para eles o máximo de felicidade

que rostos humanos podem exprimir num dia normal.

lkj

[A noite foi boa, mais de 130 pessoas numa betesga apinhada,

onde se bebe e beija e dança e faz de conta que se conversa.

Ao contrário do combinado, o meu Patrão não me pagou a dura semana.

Teve lá um gorila a cobrar-lhe alguma maquia gorda qualquer,

teve lá o antipático cara de cu do filho adolescente a pedir-lhe dinheiro

e o homem anda razoavelmente aflito e apertado.

O aperto é para todos e então o meu, de dia para dia, só aumenta.

A vida, porém, inspira-me. Há tanto desespero na cidade!]