POR TRINTA DIAS. UM VELHO SEM RESTELO
1. Lírico,
o meu coração procura palavras e só encontra cansaços.
Quer exprimir-se, mas tem sono.
O Ministério Educado e Mal
colocou-me numa escola por trinta dias num horário incompleto,
a 70 euros por semana em combustível,
portagens, copos de leite e pão com fiambre,
por infinitas horas a única refeição do meu dia faminto,
mai la fome omnipresente como um ferrete espiritual.
lkj
Não posso abandonar o meu part-time nocturno,
caso contrário, deixo de comer e de dar o mínimo do mínimo à minha família,
mas o facto é que tive de abdicar de dormir o mínimo
e são longos os jejuns entre refeições magras.
É preciso que me sacrifique? Está bem!
Paira no ar, neste Grande Porto enfraquecido e desvitalizado, o cheiro geral a sacrifício.
Esta moda de no-lo pedirem veio para ficar
e serve para tudo: há quem veja nisto
um sinal magnífico de regeneração do espírito laxo do português comum
quando, entre ociosidade e subsídios, vive em Portugal,
trabalhando pouco. Inovando nada.
Há quem veja neste sofrimento novo
a oportunidade de o Português comum aprender finalmente
a ser eficiente e produtivo em Portugal.
São os que acham que o Estado Português se travestiu, e muito bem,
num exigentíssimo Estado Suíço qualquer,
agigantou-se em exigência, seriedade e rigor orçamental,
e não poupa ninguém (nem a velha desdentada e só
nem o jovem comido por Bancos, por Imobiliárias espertas
e por oportunistas de toda a sorte)
com a sua elástica mão Fiscal por aí a cobrar décadas
de espertezas destributadas
e negligências intributáveis
e azares retributivos
e crassas inocências tributativas
entre a grande massa de portugueses comuns, como eu.
Estamos em Portugal e, agora, comem todos.
lkj
No fim, vêm penhorar-me todo o meu suor sem apelo nem agravo,
sem dó nem piedade, não bastava o Tsunami da vida ter-me devastado avonde.
E um dia, ver-nos-emos numa de essas macas das urgências de Faro,
a mudar de aparadeira, de urinas e de fezes,
diante do olhar e debaixo do nariz participativo
de uma ou de várias pobres utentes,
cuja nudez encarquilhada também nos é servida
sob o mesmo menu
e que começamos a conhecer tão bem quanto a nossa.
lkj
Não nos demitirmos em bloco de ser Portugal
neste rectângulo injusto e assimétrico!
Não ficarem os governantes a governarem sozinhos mais banqueiros,
mais CIP e CAP e o caralho que os foda a todos!
Não nos dar para cumprir Portugal lá longe,
autodegredados de isto na Mongólia ou na Patagónia!
lkj
2. Tenho consoladoramente à minha frente um homem de 90 anos,
cheio de memórias, um daqueles Médicos infinitos,
portuense rijo e ancestral, como uma viga milenária,
com um nome de família e uma família ela mesma
que remonta nítido a Afonso Henriques.
Abandona o miolo do Pub, aproxima-se de mim e desabafa que em Portugal
não encontra ninguém com classe, ninguém com categoria.
Em qualquer festa. Em qualquer situação, não vê honra, carácter, firmeza.
Diz que homens duros como Mouzinho de Albuquerque,
à parte a época e a violênia crua que os fez, já não há.
Todos os líderes que temos, diz, são uma geração de vergados e de fracos,
uns completos desvisionários, curto-prazistas.
Em face do que fazem às pessoas Bancos e outras entidades empregadoras,
remata este velho e sábio matusalém da alta sociedade portuense,
«Sidónio foi morto por menos».
lkj
E ainda me fala do romance «Equador», do Miguel Sousa Tavares.
O que me disse de esse romance caberá, certamente,
em postas futuras.
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