INTERMEZZO LISBOETA
Passei um dia em Lisboa, proveniente do Sul Profundo em direcção ao meu Norte Profundo. Amo cada vez mais esta cidade, que se me impregna a cada passagem. E têm sido imensas. «Já não há lisboetas.», diz-me o taxista. «Sim, a cidade é bela, mas as pessoas são cínicas, traiçoeiras, más, secas...», dispara ele sem se deter. Que lhe hei-de eu dizer, desde o meu deslumbramento? Turistas são às centenas, pasmando de desejo pelas ruas e ruelas como que esvaziadas de população própria. Graça. A primeira paisagem, ao subir para onde a Feira da Ladra acontece, é o lixo por todo o lado. O cheiro a urina, profuso, insistente, a outra face do que os olhos acedem. Para além disso, uma gente triste e parda surde quase a medo das tascas, cafés e restaurantes. Sujidade no espaço e encolhimento das gentes. E no entanto, quanta beleza e intensidade do que se divisa em História, Memória, e, ao longe, nos longes de Céu e Rio! Um homem jovem jaz, sem acordo de si, sobre um passeio, à entrada de um edifício do Estado. No lusco-fusco do entardecer, pontifica ele e, mais adiante, branqueja uma garrafa de litro espumosa, vazia da cerveja por mera troca de recipiente. Ali, perpendicular ao desmaio do rapaz. Símbolos de uma hora abandonada numa cidade sob espesso descuro. Certamente aquele vidro desprendeu-se-lhe da mão e rebolou, igualmente desmaiado, até à borda da rua. Prossigo. Subo. Mais à frente, após o jardim, encontro o meu lugar familiar, onde descansarei. Bato à porta. E entro para cear com os meus.
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quando lhe chamava 'fermosa estrevaria'