A POUPANÇA DA MINHA AVÓ

A minha avó poupava. Nunca conheci ninguém mais controlado, capaz de racionalizar até ao limite os seus parcos ganhos e os seus ínfimos gastos. Produzia e vendia flores, com finalidades funéreas, todo o ano, no curto recanto do nosso quintal, arrancando as ervas daninhas pela tardinha, num saudoso e silencioso sossego muito dela. Ao meu avô era-lhe recordada a hora da rega, e lá andava ele, para cá e para lá, com o regador vermelho de plástico, que enchia à bomba por seu braço, regador resistente aos anos, embora a desbotar e a desfazer-se. Foi uma sorte ter ela tido Estado Social e uns poucos anos de reforma antes de adoecer e partir. Nascera em Fevereiro de 1912. Vira a dureza das décadas. Hoje, com o Estado Social moribundo, caso não se aperfeiçoe uma sociedade do trabalho e não da dependência fácil, não há outro caminho senão viver Portugal um pouco mais como a minha avó, incapaz de desperdício, realista e prudente ao extremo. Talvez saísse ela menos, pouco se divertisse, mas amealhou independência e tinha um zelo salazarista pelo seu quinhão honesto. É preciso uma vontade de ferro e uma coragem infinita para transformar o estrume em ouro e amealhar uma poupança baseada no trabalho sacrificado e na disciplina pessoal.

Comments

floribundus said…
os zé sapatilhas são os anti-Midas transformaram o ouro em merda.

há 50 anos ainda se dizia na minha aldeia
«se tenho 10 gasto 5»

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