TEMPOS DE CABRESTO E FEUDALISMO PARTIDÁRIO
É incrível como há dias em que os leitores ávidos de blogues [cronistas, políticos, líderes partidários, treinadores de futebol] já não suportam certas narrativas demasiado repisadas. Nunca se perguntam por que são elas repisadas. Porque não há consequências. Mesmo que o senso comum atinja que o abuso foi monstruoso, não há consequências. Dentre os leitores ávidos de blogues com poder de bloqueio e movimentos livres entre os media nasce a tentação de agir. Cortar a cabeça a uma linha demasiado divergente de pensar, eis a primeira tentação. «Corta lá o pio ao gajo, pá!, que é um filho da puta.» E cortam. Hoje tive filtro. Quem ouse fazer a meticulosa autópsia do que nos aconteceu, está lixado e sob sítio. Interessa muito mais conservar o manto de anestesia que impeça o aprofundamento de um emaranhado de factos demasiado graves para se pensar neles. Este editorial superficial e habilidoso, certas intervenções expressamente para burros, no Eixo do Mal, por exemplo. Anestesia sobre quem pense, sobre quem leia, sobre quem deseja mais que o feudalismo partidário e a sua agenda. Mas é este o País dos partidos em todo o seu esplendor.
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O Público, para não destoar, titula na primeira página de hoje "O drama e a solidão de Sócrates três dias antes do resgate" (para nada interessa o nosso drama e a nossa solidão depois do resgate) e escreve que "um dia, quando os documentos confidenciais ficarem acessíveis, saber-se-á com rigor por que razão o país foi forçado, pela terceira vez na sua história democrática, a procurar ajuda externa." Para este Público, parece haver muita incerteza sobre quais as razões que forçaram o país a pedir ajuda externa. Talvez a culpa tenha sido de Cavaco Silva, o homem a quem "Sócrates terá pedido ajuda para o salvar da troika". (Até certo ponto, foi-o, por não ter corrido com o daninho personagem mais cedo; mas mais culpados são os irresponsáveis que elegeram Sócrates em duas eleições e aqueles que o apoiaram e continuam a apoiar).
Não deixa de ser sintomático que Sócrates quisesse que Cavaco o salvasse da troika, mas não se preocupasse em salvar-nos dela - pelo contrário, como um bom proxeneta, lançou-nos para os seus braços, combinou o preço e depois ficámos nós a fazer o trabalho duro.