O TRÂNSITO DE ANA RIBEIRO
«A tinta que fizerem correr sobre mim
dar-me-á o que busco imortalizar:
amei. Perdi. Apostei. Colhi o nada.
O meu gesto é apelo, minha realidade e vossa,
esses olhos que se agitam e não vêem nada mais nos dos demais,
esta urgência da bondade, essa presença que resgata,
aquela alegria de estar juntos.
ljk
Sobreviver é tão difícil, tão cortante a solidão,
não haverá mais vida além do trabalho duro
com que nos privamos uns dos outros
até ao absurdo do gelo entretanto sobrevindo,
até ao absurdo do absurdo?! Sobreviver,
enquanto se condena tudo o mais,
será sequer sobreviver?!
lkj
Por isso é que me há menos vida aquém do amor acolhido.
E, rejeitada, mais nada me sobra que entrar no derradeiro Mistério
e macular de culpa uma consciência para tanto cruel.
Compassivo, finalmente, mas só depois disto.
Por isso, daqui, da Ponte D. Luiz I para o rio Douro,
o meu corpo tem agora a paisagem mais gloriosa e mais adorável
para, voando, cumprir-se na promessa de aportar
ao Consolo. Extinguir o porque me extingo.
lkj
E ser eu mesma esta mensagem não mais oculta e irrelevante a ninguém.
Vá depois embora a minha tenda arrastada em direcção ao mar,
pause embora ela molemente nos limos e acidentes
das margens da minha Gaia poente,
resgatem-na embora bombeiros,
autopsiem-na embora os médicos,
saibam-lhe as causas de ter cessado:
estarei livre e nos Braços da Paz.»
Comments
Arrepiante este texto sobre a Ana.
Saiu do combóio da vida em andamento, quando a viagem ainda agora tinha começado. Ninguém leu os sinais, ninguém soube ler os sinais que, certamente, essa jovem já tinha revelado. Lido com jovens no meu quotidiano, porque sou professora, e é uma das minhas preocupações: tentar saber ler os sinais que possam provocar desfechos desses. Gostei muito destas palavras, que creio não serem dela mas em nome dela.
Bom fim de semana
Um abraço
Esperança
depois de escrito: deixei um comentário no seu outro espaço sem me aperceber da data inicial do post.
No sentido... contrário.
Amo-te a vida, madrasta vida que me marcou, que me arrasou para o fundo.
Amo-te a vida , madrasta vida que me abateu, que me cortou com o seu aço frio.
Amo-te a vida e não me rendi, lutei e sem ti vida, não seria capaz de viver.
Quanto não pode valer um professor...
Um Abraço e muito bem-vinda!
Tiago, o suicído tem má fama e em quase todas as culturas é reprimido. Mas a fama e o exibicionismo estão no topo das prioridades culturais da nossa sociedade, o que muitas vezes reduz e remete as pessoas ao mesmo. É um sistema vicioso e letal em certos casos muito particulares.
António, há searas que a quem só é dado aloirar na vida eterna.
kink644, um professor equilibrado, intenso e afectivo, salva vidas. O Estado lá sabe por que me priva, com a treta-filtro da legislação cabresto que não permite aos Conselhos Executivos completar horários incompletos e estabilizar contratados por um ano lectivo, de salvar tantas quantas já salvei.
Peter, nem um só cabelo das nossas cabeça deixou de ser contado ou cai sem que o conhecimento do Altíssimo. Acredito que não sabemos nada da Bem-Aventurança futura, caso contrário não lhe resistiríamos. O Martírio inicial dos cristãos pós-Golgota tinha essa sensibilidade apuradíssima. Sabiam para onde e Por Onde iam. Hoje as nossas fontes de gozo e distração permitem-nos esquecer que morremos e por isso mesmo nem sabemos Para Onde nem Por Onde ir.
Mas está escrito: Eu Sou o Caminho.
O teu texto é de tal sensibilidade que não tenho a mínima dúvida de que terias sido a pessoa certa no lugar certo. Eu, também, já passei por essas situações muitas vezes, mas só quem por lá anda é que sabe...
Eu, que amo a vida e desamo e depois amo apaixonadamente e tudo isto em 3 minutos, não consigo sequer pensar o que leva uma jovem a fazer isto.
Mas, naqueles tempo de adolescência em que todos achamos que o mundo nos quer destruir, tive, graças a Deus, pela minha frente um professor de português que entre muitos outros milagre consolidou sem margem para duvidas o meu amor desenfreado pela nossa língua e me ajudou em muito a minorar o meu grave problema de dislexia. Infelizmente depois deixou o ensino.
Tenho para mim que és um desses, um professor como o meu, que 21 anos volvidos e eu ainda me lembro de coisas que ele dizia nas aulas. :)
beijos meu caríssimo amigo
Eu, que amo a vida e desamo e depois amo apaixonadamente e tudo isto em 3 minutos, não consigo sequer pensar o que leva uma jovem a fazer isto.
Mas, naqueles tempo de adolescência em que todos achamos que o mundo nos quer destruir, tive, graças a Deus, pela minha frente um professor de português que entre muitos outros milagre consolidou sem margem para duvidas o meu amor desenfreado pela nossa língua e me ajudou em muito a minorar o meu grave problema de dislexia. Infelizmente depois deixou o ensino.
Tenho para mim que és um desses, um professor como o meu, que 21 anos volvidos e eu ainda me lembro de coisas que ele dizia nas aulas. :)
beijos meu caríssimo amigo
Eu fiz o meu no meu lado menos conhecido da bloga.
Beijos, minha bendita amiga e leitora dentre os amigos e leitores.
Tarantino, bem li o que escreveste sobre a Ana no teu lado mais espontâneo e autobiografante da bloga. Eram ecos do que o Pina, que lhe chamou Joana, escreveu acerca do que em nós tragicamente se cumpria no gesto derradeiro da adolescente.
[Já te disse da saudade dos teus primeiros textos chamemos-lhes assim 'Gabineteológicos'? Tinham humor e pitoresco, tinham um lado revelador absolutamente surpreendente no Tarantino habitualmente mais barbeironesco, no bom sentido].
Um abraço