«Era então um rapazola quieto e triste, de olhos bonitos e cabelo corredio. O crepúsculo, o sino das avé-marias, o fado à guitarra, afogavam-no em melancolia. Pensava muito no amor e às vezes na morte. Tinha gostos delicados, um pudor ingénuo. A cozinheira, uma forte mocetona de Estarreja de olhos de azeviche, roçava-se constantemente por ele, tentada por aquela pele macia de pajem tenro, e uma noite que os pais tinham ido para a soirée dos Cunhas, e Artur, constipado, ficara só em casa, de cama — a Luísa entrou-lhe no quarto, sentou-se-lhe ao lado, chamando-lhe a brincar "seu filhinho", e de repente, toda abrasada, colou-lhe os beiços ao pescoço. O rapaz repeliu-a, escarlate como uma Ofélia insultada e fechando os punhos de cólera:
— Se tornas a ter desses atrevimentos, digo ao papá, que te corre pela porta fora!»
Eça de Queiroz, A Capital, p. 18, Edição Livros do Brasil, Lisboa.
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