LUÍS AMADO CONTRA O RANÇO DO RATO
Enquanto uma catrefada de comentadores e bojardadores politiqueiros bojarda todos os dias supostamente à Esquerda, com brios de Esquerda, e sobretudo a partir da trincheira enlameada do PS, temos excepcionalmente um socialista, um português, um homem, que, por sistema e em tudo o que vai dizendo, ousa ir ao arrepio desse dictat hoje extremista, radicalista, hiperbolicista, da dita Esquerdice Furiosa, Mal-Humorada e Sempre-de-Mal-com-a-Vida. Luís Amado.
Não, não tem apelado a que se partam as montras, se atirem pedras às polícias e se apupem governantes, em plena procela Não-Há-Dinheiro; e não, não tem instigado semanalmente grandes insultos e gigantescos destratos a governantes, no olho do furacão Intervenção Externa. Apesar de socialista, consegue a extraordinária proeza de ser sobretudo português e pensar como um estadista e não como um vulgar arruaceiro no fim da vida. E não, também não se pronunciou desdenhosamente acerca do Guião da Reforma do Estado apresentado por Portas, tal como o fizeram quase todos os proprietários da opinião. Pedantescamente, Pacheco Pereira satirizou-o. Manifesto-anti-dantaseou-o Pedro Bacelar de Vasconcelos, apoucando-o. E outros outro tanto. Ao ousar valorizar o tal Guião, só Luís Amado é que é o scolari-burro?! A propósito do documento, diz o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros que é uma base de trabalho que o Governo propõe porque se tinha comprometido a isso. Diz ainda que nenhum actor se deve refugiar da necessidade de encarar os problemas do País. Diz também que o guião reflecte alguns desses problemas com seriedade. Diz que o País vai necessitar mais cedo ou mais tarde de um amplo consenso que ajude a resolver os seus problemas.
Enquanto isso, chantageado internamente pelo ranço mono e corrupto da velhice em forma de perpétua sinecura-soares-alegres-almeidas, o PS recusa discutir as propostas do Executivo sobre a reforma do Estado, recusa adressar as grandes questões de Regime, da economia, do sistema financeiro, das grandes áreas sociais. Mas para que servirá a puta de uma força política se não for para resolver problemas aqui e agora e colocar-se sem amuos do lado das soluções?! Amado diz-se favorável a um amplo consenso para que as políticas não estejam a mudar frequentemente, para que se gere perante o exterior estabilidade, convergência na acção política, de forma a garantir que o País possa ser credível e percebido pelos nossos credores como um país fiável, o que pressupõe um entendimento mais amplo das forças democráticas. Também acho. Corrupção, em Portugal, é inventar e mudar tudo outra vez a cada legislatura. Mas acho que ao ousar um raciocínio tão sem politiquice e sem veneno, Amado só pode estar deslocado dos ventrudos do PS ou ter a ilusão de que um sentido patriótico e construtivo finalmente se acenderá naquelas cabeças conspirativas.
Sendo socialista, para pensar tão fora da caixa rota do grande ranço do Rato, tão longe do veneno dissoluto dos valupis e seu mito mitómano morto-vivo, o oco parisiense, para pensar Portugal tão além da sanha da velhice senatorial ultradanosa soares-almeida-alegre, Luís Amado só pode andar a engolir doses cavalares de alhos anti-praga-Nosferatu-PS, para não se deixar contaminar daquela nulidade rasca, covarde e decadente, excluindo António Costa, que me parece cada vez mais decente, e excluindo mesmo António José Seguro, uma vítima, muito maltratado internamente e levado a dizer e a fazer o que não quer.
Mostrando o seu grande deslocamento do PS tradicional, Amado diz ainda que uma nova abordagem de tais questões de Regime pode depender das condições que têm de ser criadas e que são responsabilidade de todos os actores, dos partidos, das principais figuras institucionais da sociedade portuguesa: pelos estudos de opinião, a grande maioria dos portugueses percebe que o desentendimento entre os principais partidos relativamente às grandes questões de fundo que afectam o País os prejudica a todos. É incrível, sem dramatizar nada de nada da castigadora Governação, Amado ousa ainda dizer que há um caminho que está a ser feito e que vai continuar a ser feito; diz que haverá um momento em que as circunstâncias nos impelirão a um amplo consenso que possa ajudar a resolver os problemas do País. Mas não andam outros a falar em demissões? A aludir a assassinatos políticos? O que é que Amado anda a tomar?
Definitivamente Amado é um optimista, um construtivo, uma maça sã no meio do grande cesto delas podres das últimas duas legislaturas. Sereno, avesso à politicagem baixa de alguns correligionários de Partido, nem parece socialista nem percebo como se sente bem abrangido por tal sigla e por tal símbolo.
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