ANTÓNIO BARRETO E O 10 DE JUNHO


Vi e ouvi, agradado, António Barreto, abrindo, com o seu discurso, a sessão solene do 10 de Junho de 2009, na Scallabis, cidade de Sancta Irene, Santarém. Agudo, Barreto fez incidir sobre a Presente Hora Decadente Portuguesa, hora terrível e perigosa, o cerne das suas palavras. Evocou as de Jorge de Sena*, em 1977, com o Discurso da Guarda, no mesmo papel de Barreto, hoje, e falou da fome que os portugueses têm de Exemplo aos mais diversos níveis, especialmente dos actores políticos, e do seu cansaço com a retórica que, dizendo que é e que faz, na verdade nem é nem faz. Sábios portugueses, como Barreto, têm de ser ouvidos repetidamente, têm de ser lidos e acolhidos. A reflexão que fazem, contestável ou incontestável, é vital para a transformação do nosso presente (vinculado a um passado bem recente em que éramos, novos e velhos, como "moribundos mortos"**) mudando-o, corrigindo-o. Contra a Ilusão e contra o Abuso. Pela Verdade e a Solidariedade Coesiva de Portugal.
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* «MEMÓRIA DE JORGE DE SENA Sena é um dos maiores intelectuais portugueses do nosso tempo, um extraordinário romancista, um prefaciador incomum pelas pistas de leitura que propõe, um ensaísta fora de série - e um dos três maiores poetas que Portugal produziu no século XX. Quando, em 1977, nas cerimónias do 10 de Junho, Guarda, proferiu o discurso inaugural, a convite do Presidente da República, Ramalho Eanes, o autor de Metamorfoses e Peregrinatio ad Loca Infecta advertiu, grave e veemente, dos perigos que corria a democracia, caso desistíssemos de ser cidadãos. É um documento impressionante, pela previsão crítica e pela luminosa lucidez. Tempos antes, numa entrevista que lhe fiz para o Diário Popular, afirmou que "estavam a repetir- -se os vícios do Estado Novo".» Baptista-Bastos, DN
** «A esta imagem da ataraxia generalizada vai justapor-se a da referência aos grupos de pessoas que constituem o país: “Chatins engravatados, peleguentas fúfias/passam de trombas de automóvel caro./Soldados, prostitutas, tanto rapaz sem braços/ou sem as pernas – e como cães sem faro/os pilhas poetas se versejam trúfias.” Todos eles contribuem para gerar a imagem de um país amorfo, corrupto, dominado por vícios e defeitos. Mesmo aqueles que poderiam usar a palavra para denunciar as atrocidades, perderam o “faro” (nessa comparação corrosiva dado que um dos sentidos mais importantes do cão é o faro) e limitam-se a bajular o poder instituído para obterem favores; daí eles serem “pilhas poetas” e versejarem-se a eles próprios. Decorrente desta constatação, Portugal é formado por “moribundos mortos” independentemente da idade real. A ideia da decrepitude é bem evidente nesse cumular de sentidos entre “moribundos” e “mortos” que, para além dessa desistência ou cessação da vida, se “arrastam” para o “nada nulo”: a anulação total.» Paula Fernanda da Silva Morais, Portugal sob a Égide da Ditadura, O Rosto Metamorfoseado das Palavras, Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciências Humanas, Julho de 2005.

Comments

antonio ganhão said…
Está tudo bem nas terras Lusas, até Cavaco já vai reunir o conselho de estado!
quink644 said…
Foi-te atribuído o prémio PRÉMIO LEMNISCATA pelo blogue porquemedizem. Os meus parabéns e um abraço.

Ver: http://porquemedizem.blogspot.com/2009/06/premio-lemniscata.html#links
Anonymous said…
Concordo plenamente com que António Barreto disse no seu discurso de 10 de Junho. Não tem papas na língua e mostra o que é ser independente e não subordinado ao poder politico e partidos.
Fernando Saraiva

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