O HOMEM DO CASACO PELOS OMBROS


Don Pasqualle dentro seu gibão e casaco.
lkj
Deve ter uns sessenta anos a figura cómica do Homem do Casaco Pelos Ombros.
lkj
Quando entra no Pub,
mostra logo que não faz mal a uma mosca. Sorri ou não sorri, conforme lhe dá,
enquanto passa diante de mim literalmente, supremamente, deslizando
e eu o deixo passar
como se, infantil e curricular,
arribasse ao arrebalde Sua Majestade e merecesse imperativo dobrar de joelhos.
Acaba de fumar ou não o seu plácido e silencioso cigarro, na área exterior, e desfila para dentro,
deslizando com o casaco pelos ombros, a gravata dirigente desportiva, a camisa azulada,
os braços ocultos, o estômago volumoso, mas discreto, todo ele taciturno.
ljlkj
Senta-se na mesa reservada para os que o acompanham ou que ele acompanha,
isto nunca se sabe quando se anda pela vida com o casaco pelos ombros.
Entra e sai e sai e entra, com o casaco pelos ombros, para fumar muitas vezes pela Noite.
E deambula, seriíssimo e solene, degustando o seu cigarro e o seu casaco pelos ombros.
De vez em quando, repuxa-o, num tique muito dele,
que deve ter trazido certamente lá bem dos fundos do Século XX,
quando não era ainda o único a andar pela vida com o casaco pelos ombros,
além de bem sabermos que um casaco pelos ombros desliza naturalmente para fora deles
e é preciso um gesto brusco, cheio de estilo, para o repor
na sua posição de equilíbrio. Qualquer de nós sabe isto.
lkj
O homem do casaco pelos ombros tem os braços ocultos
sempre disponíveis para poder fumar e logo desaparecerem.
Se as suas mãos segurassem uma arma, nunca saberíamos por causa do casaco pelos ombros.
Um casaco pelos ombros forma como que uma cabana dentro da qual
talvez se possa acender fogueiras para cozinhar e aquecer as mãos nas noites frias
ou masturbar-se muitíssimo mais discretamente,
mesmo a conversar, a beber e a fumar, sem que ninguém note.
kh
Meu Deus, o que não se pode imaginar que um homem
com o casaco pelos ombros pode fazer e nós não?!
Pelo menos aquele certamente dorme e excreta com o casaco pelos ombros.
E podemos perfeitamente vê-lo no seu chichi civilizacional
contra um poste,
com o casaco pelos ombros.
lkj
Enfim, ele faz parte de um grupo certo, no Pub, com outro homem da mesma idade
que tem no rosto,
nos modos e no magnífico mercedes prateado
todos os sinais de ser um empreiteiro português consumado e bem sucedido.
São amigos e este apadrinha meigamente aquele,
como se, na falta de um claro fusível ao primeiro,
pela grande amizade e carinho do segundo,
lhe merecesse por isso mesmo infinita condescendência.
lkj
As barbas do homem do casaco pelos ombros lembram um Demis Roussos.
O rosto escanhoado do homem com cara de empreiteiro lembra um General Romano,
de baixa estatura, entroncado, conhecido de Asterix na vida real.
Ao chegar aperta-me sempre a mão e diz uma banalidade abrutalhada qualquer,
porque sabe que lha apertarei também,
como que entre gladiadores ou soldados antiquíssimos,
e lhe sorrirei dizendo também uma banalidade delicada qualquer de circunstância.
lkj
Vêm com as suas mulheres.
É um grupo de dois casais habituais, o do Casaco pelos Ombros e o de General Romano,
e por vezes um terceiro, volante e aleatório.
O empreiteiro paga a despesa de todos
numa bonomia simpática que me exibe, festejando efusivamente
tal generoso gesto liberal, como se só eu pudesse ser
a íntima testemunha de terem vindo ao Pub
sob tal majestático patrocínio já rotineiro.
lkj
Num destes dias, o homem do casaco pelos ombros fez anos.
Cantaram-lhe os parabéns e fizeram-lhe agrados naturais.
Mas a voz de este homem nem assim se fez ouvir, sempre tácito, embora feliz.
E foi divertido vê-lo pela primeira vez mais bêbado que alguma vez,
sorrindo largamente, finalmente introduzindo, aliás, uns amplos dentes de sorriso
no centro da barba por cima do casaco pelos ombros.
lkj
E foi ainda mais histórico vê-lo a dançar a rumba,
o chá-chá-chá e o tango com a mulher toda de branco, bem esculpida,
sacrifício obrigatório dançar e dançar com ela, coisa que fez à pressa,
e sempre com o casaco pelos ombros,
mesmo quando esboçou, cómico, um magistral shake com o rabo até ao chão,
naquele mesmo sorriso largo,
sorriso indisputavelmente alarve, inédito e irrepetível.
Devido ao álcool festivo, ousou até aproximar-se das teclas piano
para nelas tocar, infantil, e tiveram os amigos de ir
tirá-lo daquele preparo, toda a gente estava a reparar nos excessos inusitados
do homem do casaco pelos ombros, toda a vida taciturno e discreto.
lkj
À saída, embevecido, o General Romano estava comovido da sua amizade,
e, naquele compasso de espera pelas mulheres,
que universalmente sempre se atrasam e não saem
sem um último chichi aos pares, ritualístico e retardatário, todo ele universal,
parou diante de mim e lá me foi dizendo em desabafo lacónico e bruto,
(como um arroto-ronco brusco, pragmático gestor de magnas batalhas)
acerca do homem do casaco pelos ombros, seu amigo:
«Pensar que este caralho foi dirigente desportivo... Enfim! Até à próxima.»
lkj
E apertou-me a mão, numa cumplicidade de Caserna.

Comments

Tiago R Cardoso said…
Cruz credo, só gente de topo, dirigente desportivo, muito bem.
Joaninha said…
Primeiro deixo o meu desagrado pelo comentário desnecessário ao tão incompreendido ritual de ida ao balneário das senhoras!
Depois é mentira que nos atrasamos sempre, só as vezes ;)
De resto adoro estas tudas dissertações sobre os clientes do PUB
Unknown said…
É rir até a noite ficar branca e as estrelas pretas !

Popular Posts