EM LOUVOR DO FORNO CREMATÓRIO

Sinal incrível dos tempos portugueses é que sobre espaço para os vivos e os filhos dos vivos que não se fazem em Portugal  tanto T0, T1, T2, T3 por vender!, tanta gentinha jovem preferindo cães a bebés!, tanta juventude emigrando para as europas! , mas falte espaço nos cemitérios para acomodar cadáveres, ossadas, para suportar, portanto, a tradicional e canónica, mas talvez cara, inumação católica. Daí que a cremação seja, cada vez mais, a opção preferencial dos portugueses, em caso de morte, naturalmente, se bem que não faltem razões para a mais desesperada e simbólica imolação pelo fogo. Completa-se assim um ciclo, desde que chegámos à Índia, se não quisermos entrar pela reabilitação do conceito "forno crematório" associado igualmente à "resolução" de um problema Endlösung der Judenfrage: a pira funerária, promovida em filmes e sagas, leva a melhor sobre o apodrecimento aprisionado no caixão. O fumo e a cinza vencem a lógica da degradação ou da mumificação, outra das vias possíveis para as exéquias do futuro. O presente passa por que se evolem em fumo alado os nossos mortos, talvez os únicos sobreviventes, afinal, do derradeiro forno crematório metafórico — esta incineração social que se divisa no horizonte, revolução transformadora ou morte, lenta, pastosa e inexorável.

Comments

Anonymous said…
...entretanto os numerosíssimos cadáveres sobrantes do "Portugal de sucesso" dos anos 90 vão pintalgando a paisagem: lotes e lotes; urbanizações sobre urbanizações; edifícios atrás de edifícios - todos vazios, ainda 'novos', todos alinhados como exércitos de soldadinhos de chumbo, apesar das cores claras ou berrantes; mas todos votados também eles ao apodrecimento. Arrastando também o território, que foi inutilmente violado e esventrado para a instalação de semelhante riqueza. É bem feito: muitos bancos chegaram a financiar ávidos 'promotores', ao mesmo tempo que financiavam os pobres papalvos que queriam comprar as casas 'promovidas'; no fim, ninguém teve dinheiro para pagar. Este nobre esquema, digno de um Madoff-de-trazer-por-casa, acabou em holocausto com os bancos a ficar com as casa nas unhas e encalacrados ao Barcleys, ao UBS e a outros. Cadáveres detidos por outros cadáveres à espera que o um Delegado de Saúde os declare cadáveres. Quanto dinheiro queimado, quantas oportunidades perdidas, quantas vezes todo o ouro do Brasil não terá sido incinerado no Drakar da imbecilidade nacional. E não mudaste nada, Portugalzinho!: agora, no empréstimo mais envergonhante, na dependência mais aviltante, na situação mais degrandante e de urgência, que fazem as nossas 'cabeças pensantes'? Discutem "se é constitucional, se houve quebra do contrato social, se limites estão a ser ultrapassados, etc, etc"; enfim, se os anjos têm uma pilinha ou uma snaitazinha.

Ass.: Besta Imunda

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