NO ANO DA GRAÇA DE 2013
Desde que a ascensão de Sócrates me forneceu doses de desemprego inéditas na minha vida, aprendi a nunca considerar outra coisa senão o dia a dia e, dentro de cada dia, a hora presente. Essa espécie de disciplina de vida como que se me incrustou dentro e não muda. Quando o trabalho regressou e se estabilizou ligeiramente, já eu tinha interiorizado na minha carne que a cada dia bastavam as suas preocupações e que nenhuma angústia se resolvia com o antecipá-la para dentro do meu presente, quando bem poderia ser deixada para amanhã ou para nunca. É somente por isso que a mim não me angustia em nada o caminho duríssimo que nos conduzirá a um País substancialmente diferente para pobre em 2013. Ouve-se falar que, nesse ano de charneira ou de abismo, a generalidade dos trabalhadores portugueses por conta de outrem terá perdido entre 40% a 50% do seu rendimento. Vai-se anunciando que todos os seus activos sofrerão igualmente uma desvalorização substancial. Tenho a firme convicção de que manteremos a serenidade como Povo e não haverá o descabelamento das avenidas. Quem não estiver bem, como há séculos acontece, por-se-á melhor: Portugal é uma espécie de tenda provisória como o nosso corpo. Ninguém investe em organizar isto de modo fraterno, comunitário, civilizado. De modo que, algures, ou se emigra ou se adoece e morre, coisa de que ninguém escapa. É tarde de mais para saltar da panela efervescente onde fomos sendo cozidos por mentiras e optimismos sacanas. Só por isso os portugueses não terão razões para se mobilizar agora, somente agora, contra o roubo que este Governo ou qualquer Governo lhes teria forçosamente de fazer porque ele-roubo é simplesmente o corolário do grau de desinteresse e alheamento com que toda a gente geriu a vida colectiva na última década até às faldas da bancarrota de 2010. Recordemos um pouco a história recente: para os anos de 2011 a 2013 não há alternativas senão que o Governo lidere e promova o nosso empobrecimento compulsivo, coisa consignada já no Orçamento do Estado para 2012. Não vale a pena verberar o presente e a nossa depauperização galopante. Ela acontecerá connosco trabalhadores, quadros médios e superiores, públicos e privados, reformados e pensionistas, o que nada nem ninguém curou que não sucedesse dado o rumo alienado que nos consentimos seguir sob o consulado socratino. Apesar de tudo, emergiremos. De alguma forma, emergiremos. O único final feliz será um presente quotidiano absolutamente realístico. Será uma vitória para nós, que fingimos ser a Alemanha e a Grã-Bretanha nos anos noventa e na última década, convertermo-nos ainda que numa China da Europa, graças a salários competitivíssimos, a subsídios de Férias e de Natal diluídos nos doze meses do ano, ao trabalho precário e produtivo, a horários de trabalho criativos sem feriados e com férias nunca dantes comutadas. Por que não? Qual o drama, chegados aqui? Nicolau Santos e Paulo Querido, por exemplo, associaram-se a um optimismo que não colocava sobre a mesa nenhuma destas hipóteses. A vida corre-lhes mal? Não. Hoje eles e Pitta e tantos são milenaristas garantindo que o fim do mundo dos outros é já ali ao virar do orçamento. O deles pode esperar. Mais a mais, se vendermos empresas falidas ou semifalidas ao preço da chuva e da uva mijona ao estrangeiro [desconheço sinceramente casos de empresas públicas lucrativas a não ser os CTT e a GALP e a EDP] poderão finalmente tais empresas ser rentáveis e bem geridas, evacuadas do pessoal político, isto é, da gestão com os pés e com o estômago ávido que as danou. Qual é a crise? Tudo o que é público tem sido pródigo em corrupção, aviltamento e manipulação, golpe atrás de golpe por gente parente moral de Dias Loureiro e Armando Vara, por que nos deveremos aterrorizar se a China comprar essas empresas ou se houver capital estrangeiro a meter a mão nos 'nossos' monopólios naturais cuja distribuição de riqueza não se sente agora nem se sentiu jamais?! A alternativa a este processo não existe. Só a urgente moralização e o pudor político que nunca, mas mesmo nunca, tivemos. Também não se pode acreditar na compaixão dos que criticam agora a insuportável dor social perpetrada pelo Governo Passos, mas pactuaram o máximo de tempo possível com a euforia quase sexual dos Governos Sócrates. Qualquer dor, mais tarde ou mais cedo, seria necessária, ainda que imposta aos portugueses. Tantos economistas renascem agora e só agora salivam sentenças catastrofistas, quando foram amplamente complacentes com o despesismo político socratista. Como podem ser levados a sério nas suas angústias existenciais?! Não há-de ser nada, portugueses. Comparado com o saque dos últimos seis anos para o qual não houve um ai atempado nem um Presidente da República desprendido do seu segundo mandato a fim de nos avisar séria e desprendidamente, não há-de ser nada. Há que pensar em todas as alternativas do dia a dia, na forma como nos poderemos unir como nunca nos unimos, como poderemos ter do nosso lado quantos demais portugueses existem por esse mundo. Não podemos temer a violentíssima desvalorização por via salarial. Venha ela. Não podemos virar o rosto à maior recessão desde há 37 anos, se se consumar. Venha ela. Quaisquer quebras do investimento e do consumo far-nos-ão perceber a utilidade da vida cívica, a premência de uma atenção e escrutínio que nos merecem os poderes públicos quotidianamente, da necessidade de aprendermos a ser proteccionistas com a nossa produção e com os nossos esforçados empreendedores. Esta é a Hora de fazer das tripas coração. Conto com um Nicolau Santos sem laço à palhaço, de mangas arregaçadas. Conto com o Ricardo Costa da SICN, dos poucos jornalistas que se entrevista a si mesmo mais depressa que a própria sombra. Viva Portugal.
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