POVO QUE VENDA OURO NÃO COMPRA LIVROS
Os livros são obviamente o que há de mais e estimulante e sensual no Universo. Lembro-me bem de literalmente salivar ao ler o romance O Nome da Rosa ou como a leitura d'O Crime do Padre Amaro me deixou num frenesim intelectual, visualizando como um próximo a brutalidade inconsequente do Amaro e a lambisgóia Amélia. Sempre me surpreendeu que os da minha geração se não lambuzassem, como eu, com os melhores livros e as mais suculentas publicações, como se pudessem prescindir, sem grave perda pessoal, daquelas paisagens e saberes unicamente acessíveis ao nosso olhar interior. É preciso dizê-lo: os portugueses não gostam de ler, apesar de todas as campanhas, iniciativas e voluntarismos em sentido inverso e há portuguesas absolutamente asnas quer na sensibilidade, quer na cultura geral, o que pode bem obstaculizar ao orgasmo masculino, digo eu. Porém, nestas coisas a razão de fundo para aceder a bens culturais continua a ser o preço, o nível de vida ou desnível de vida que se tem, o que em Portugal consiste no verdadeiro problema, o problema endémico, pai de todos os outros, de todas as faltas, insuficiências e desistências no grande investimento pessoal na cultura mediante a Leitura. Impossível esperar que compremos livros quando tão duro e agreste é sobreviver. Há dois meses, no Brasil, pude bem-aventuradamente deixar-me deslizar à beatitude de um recluso entre a Natureza, a família e os livros, pude ler novamente em pleno e encher-me de prazer, falar do que lia, comentar o que lia, sorrir ao que lia, criticá-lo na substância e na forma. Tudo começou no aeroporto, uma boa edição nas mãos e a alegria de uma leitura sem pressão nem conflito com o tempo. Finalmente. Haverá maior riqueza que aquela residente na nossa fantasia, numa curiosidade devoradora, numa fome de sentir percursos e humores?!
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