TRABALHAR COMO FORMA DE MORRER

Podemos ser amáveis, adoráveis, amigos, comovermo-nos muito com a espécie humana e o milagre de estar vivos, mas o facto de um ano inteiro de trabalho, com os seus gastos inerentes, não servir nem chegar para uma vida digna, há-de distorcer muitos corações e criar muitos revoltados profundos, cujo vulcão ressabiado um dia forçosamente rebentará. António trabalha há sessenta anos na mesma empresa. Toda a vida falou em descarregar uma metralhadora contra os novos patrões ávidos egoístas, aliás filhos dos velhos patrões porventura mais humanos, quando o negócio ainda era familiar. Porquê? Porque se dão a mordomias, mas cortam nos mais vulneráveis. Porque debitam na empresa despesas pessoais [a empresa é deles, mas faz-se do suor de todos], mas pressionam a mulher da limpeza a poupar no detergente e na água. Porque aumentam vencimentos à administração e a alguns gestores, mas despedem [ou cortam-lhes vencimentos] os mais humildes dos seus escravos. Como é que ficamos? Ganham sempre os que roubam e os que exploram? Perdem sempre os que se matam num trabalho mal pago toda a vida? Quem nos fará justiça?

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