QUIQUE TEM ARGUMENTOS
Há um argumento implícito em Quique que não poderá ser de nenhum modo negligenciado. Um ano de Portugal e um ano de Lisboa são, para um espanhol que não seja burro e orgulhoso como um Graeme Sauness eternizado no Benfica, uma verdadeira iniciação a um completamente outro tipo de vida. Lisboa é de uma viscosidade sensual irresistível à qual muitos sucumbem e tem inscrita nos seus lugares as marcas da derrocada moral assim como de todas as possibilidades de regeneração. Talvez o teste do sucesso, para um treinador diferente como Quique, se jogue mais na vida lisboeta que propriamente nos Estádios de Futebol semana após semana. Lisboa tem qualquer coisa de feérico, um magnetismo dispersante que até um homem do Norte não veste facilmente muito menos à primeira. O efeito d'A Capital nos seus arrivistas é tão entontecedor e euforizante conforme o que se relata no romance homónimo de Eça de Queiroz. Não morreu o que se pode chamar de efeito capital-mortífero da Capital, basta ver como Artur, vinte e três anos, deixa a modesta terra natal, Ovar, e vai para Lisboa, alimentando ilusões, convencido de que por lá haveria melhor lugar para um escritor e jornalista, ingénuo, derrota após derrota, regressa ao lugar natal, perante cuja vida monótona sente ainda saudades da Cidade, e isto embora tivesse ele saído «daquele inferno em Lisboa, como um vencido de uma batalha», com feridas por toda a parte — no seu amor traído por uma ardente e ágil prostituta espanhola, na sua ambição profissional de sucesso sucessivamente iludida. Ora, as singelas premissas do romance eciano mantêm-se até para um espanhol. Quique foi capturado pelo mundo da fantasia de Luís Filipe Vieira, terreno já de si movediço. A única coisa de mágica e fantástica na Luz é o desperdício de talento e os erros de julgamento técnico sucessivos (registo o meu acordo às observações de b entre as quais o erro de ejectar o contributo técnico e ambiental de Diamantino e Chalana), aliás naturais em quem desconhece o território. Nunca se saberá, porém, se este ano foi uma vacina para o futuro do treinador castelhano, caso fique. Subir degraus é muito mais avisado que estar sempre a saltar etapas e repetir experimentalismos mais arriscados que promissores. Afinal de onde proveiro o sucesso de Quique quando ainda orientava em Espanha?!: «Quique Flores foi apresentado na Luz a 24 de Maio de 2008. Não fez promessas, mas fixou objectivos quando chegou ao Benfica. "Temos de subir dois degraus. Um é recuperar a Liga dos Campeões e o outro é ser campeão." Palavras que, amanhã, fazem um ano. Falhados todos os degraus, há quem esteja disposto a empurrá-lo escada abaixo. Haverá algum corrimão que ampare Quique Flores?»
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Alice, a Fininha