Senhor, meu Deus,
Criador de Todas as Coisas, Visíveis e Invisíveis,
todos os dias vou, com esta minha carne, este meu suor,
estes meus olhos, à procura da Tua Face a fim de entrar em Êxtase.
À brisa do fim da tarde, após ter morto todas as agitações estéreis,
e todas as queixas pelo desconcerto do Mundo e o meu,
sei que Te encontrarei com toda a certeza
no silêncio da grande luz crepuscular
sob o rumor marinho. Só. A sós.
Todos os dias me abeiro de Ti, o Vivo Absoluto,
ecoando no meu coração,
locução interior que jamais cessa o sussurro da coragem e da ousadia transformadora.
Impõe-se-me essa Voz e todo me perpassa e toda flui por mim,
Beleza maior, maior Paz que se pode ter em vida.
A Brisa é Gente. É Espírito. Fala.
Fala comigo. Procuro escutar-Ta desde o mais íntimo,
como se disposto a Morrer por Ela.
Sibila-me que não seja tíbio, mas resoluto, se incompreendido,
nem correcto ou doce, cordial ou cordato, mas fulminante e criativo,
se treslido, se traído, se cercado,
nem murcho nas lutas cívicas, humanísticas, morais,
nem covarde nas convicções que trago e acalento,
nem vá na manada nas acusações de agremiações aconchegadas no mesmismo dogmático,
nem vá no coro das lapidações e condenações,
nem vá chocho, se chocado,
nem mal-fodido, se fodido,
nem amuado-enjoado, se ofendido,
nem desanimado, se contrariado,
nem insosso, se repleto desta seiva e sabor
a pedir vida à vida e desassossego à palavra que me enforma.
Essa é a Voz que oiço, Senhor, Altíssimo. Tua.
Todos os dias.
E depois regresso.
Intervenho. Afirmo-me, exponho-me, divirjo,
derramo-me, esquartejo a realidade,
consagro-me a meter nojo e a gerar desassossego.
O meu coração incomoda-se com a injustiça e a falsidade,
com refrões verminosos e diagnósticos psicológicos
dos grandes indignados, espora que me obriga a andar.
Mal de mim, Senhor, se não abrir a boca e me não soltar.
Quantos preferirem a pasmaceira da velhice
e os amuos da menopausa, não podem ler-me.
Não pode ler-me o pudibundo e o acomodado.
O susceptível e melindrável não pode ler-me,
tropeçará no verbo, não lerá a fome ampla subliminar comum.
Se fossem cem contra mim, ainda assim persistiria em ser-me assim, feliz e ofensivo.
Viessem mil com mil bombas armadilhadas para me explodir-Bagdad,
ainda assim continuaria a experimentar-me sobreviver aos bocados,
tal como sou. Todas as forças da natureza, da arte e do desporto,
parecem autorizadas a florir e abrir as asas e eu, que só tenho
as palavras por consolação e ofício, não posso concretizar o meu desígnio, chatear?!
Sou uma coisa-criatura inteiramente para Ti, meu Deus, vazio de mim,
a quem se deve dar a gravíssima importância que se dava ao bobo acusador do rei,
autorizado a dizer em voz alta o que imensos pensam.
Gostaria de ser benevolente com todos os seres humanos,
mesmo com os que surfam glórias, livros e aplausos
por sobre as cabeças de miseráveis e encurralados da Crise, como eu,
como eu semeados por obstinação política deles.
Mas não posso. Estou aqui para incomodar.
E não parar de incomodar até que Justiça e Pão
nos sejam ministrados, a nós, Portugueses de Merda,
tolerantes com corruptos filhos da puta,
prontos a zangar-nos com os que se atrevem a puxar-lhes os colarinhos de seda
e a descompor-lhes a fatiota Armani.
Meu Deus, eu tenho paciência.
Dizem-me os meus amigos que a tenho.
Continuarei a respirar,
a espirrar e a ter mau hálito
até que o permitas,
prostrado todos os dias a Teus Pés,
à mesma hora de Êxtase.
Ámen.
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