NO LODO DO ESCÂNDALO HABITUAL
«O público que lê jornais (desgraçadamente escasso) anda hoje fartíssimo de escândalos. Desconfio que só um bom escândalo político-sexual (a fuga do dr. Cavaco com Carla Bruni, por exemplo) era agora capaz de o interessar. Por duas razões. Para começar, houve escândalos de mais: desde o escândalo da licenciatura do primeiro-ministro, ao escândalo da casa onde ele vive e ao dos projectos que ele assinou; desde o escândalo do Freeport, ao da TVI/PT, ao da "mentira", ao da Face Oculta e ao da "liberdade de expressão". Esta extraordinária abundância diminui evidentemente o valor de cada escândalo. Ao terceiro ou quarto, a curiosidade é pouca. Ao quinto ou sexto, até o escândalo, no sentido próprio da palavra, deixa de existir: o que se tornou habitual não pode por definição ser escandaloso. Faz parte da vida e, ao contrário do que julga o dr. Mário Soares, "vende" tanto "papel" como o boletim meteorológico. Pior do que isso: chega mesmo a beneficiar o "perseguido" Sócrates. A partir de certa altura, é a reacção do cansaço (o "deixem lá o homem, falem de outra coisa"), que a cegarrega inspira. A segunda razão do desinteresse está na complicação exasperante de cada escândalo. Quem sabe e percebeu o que foi o escândalo do Freeport ou da Face Oculta? Quem se deu ao trabalho de conhecer, distinguir e fixar as personagens? Quem seguiu os meandros de uma intriga, à superfície sem sentido e sem conclusão? Uma ou duas centenas de aficionados, quando muito. Verdade que o "povão" gosta sempre de ver o primeiro-ministro afocinhar e um "rico" em apertos. Como gosta de confirmar a sua velha opinião de que "eles", excepto o ocasional santinho, são essencialmente uma quadrilha de "malandros". Mas basta o que basta. Não é preciso repetir a matéria. A época do escândalo por uns meses fechou.» Vasco Pulido Valente
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