MOEDAS, UM OLHO EM TERRA DE CEGOS

Custa muito dar o braço a torcer, mas o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas, tem razão. Quase sempre. Nós, que não temos dinheiro para ir ao dentista e deixámos de comer refeições um pouco melhores que as dos gatos e as dos cães, podemos estar tristes e revoltados, mas temos de olhar para Carlos Moedas como possuidor daquele precioso olho em terra de cegos que faz dele rei. Convenço-me de que vê. Reparo que não vejo. Concedo-lhe a palavra e que mande para que lhe obedeçamos. Ora, o que diz Rei Moedas?
Diz que as pessoas só acabam com os maus hábitos quando enfrentam choques. Só é pena que os políticos não pareçam pessoas nem se choquem com a máxima frequência possível. Eu só queria estar ali, no auditório da XV.ª Conferência Europeia IPD de Investimento Imobiliário, em Lisboa, para bater palmas efusivas ao Rei Moedas. E que mais diz sua alteza:  Diz que «Ao nível do país, a mudança é ainda mais difícil porque existem grupos de interesse, lóbis, vozes minoritárias que beneficiam do statu quo e uma mentalidade conservadora». E diz bem. Vejam só a casta de vampiros e ténias que mais debita e esperneia: os soares, os bagões, as manelas, os sampaios, os alegres, tudo gente para quem a realidade sempre foi doce e favorável, cada um deles com pensões compatíveis com as dos Países mais ricos da Europa, mas desfasadas desta miséria vil, destas reformas miseráveis de duzentos e picos, em que não se fala, em que não se pensa. Manela, Soares, Alegre, Bagão, comentam em causa própria. Comentam em interesse pessoal objectivo. E que mais diz Moedas, o Rei nesta terra de cegos? Diz que a última década da economia portuguesa foi uma miséria e explica quais as razões que levaram Portugal a pedir assistência financeira internacional: «Entre 2000 e 2012, a economia portuguesa cresceu menos que os Estados Unidos durante a Grande Depressão ou o Japão na sua Década Perdida. É um poderoso, conciso e depressivo sumário da nossa economia nos primeiros anos do século XXI». No entanto, os soares, os sampaios, os caramelos de toda a contestação de que devemos desconfiar insistem em dois pontos: queda imediata do Governo; manutenção do mesmo estado de coisas que nos trouxe até aqui. Na verdade, não desejam nem reformas estruturais, nem mudanças substanciais, nem que se mexa no excelente receituário que nos paralisa e mata. Desejam mais dinheiro. A impressão do dinheiro. A chegada do dinheiro em grandes carregamentos para atafulhar o cu à grande e insaciável máquina de absorção do Bloco Central de Saque em vidas, impostos, desesperos, suicídios. Pois, mas têm de levar comigo e com Moedas, o Rei, que diz também, coitado, que «não há qualquer razão estrutural ou de longo prazo que proíba Portugal de voltar mais uma vez a este caminho de convergência com a Europa Ocidental». Depende de Portas, das suas viagens e do seu empreendedorismo diplomático. O diagnóstico está feito, está sempre a ser feito, e Rei Moedas fá-lo bem feito: «Portugal não teve uma bolha imobiliária, mas uma bolha da despesa, que cresceu 131% entre 1995 e 2009. Este crescimento dramático da despesa resultou em grandes melhorias no sector público, principalmente na saúde e infraestruturas, mas também gerou uma série de severas distorções na economia». Pois. Aplauso. Aplausos. Agora que Rei Moedas, nesta terra de cegos, diagnosticou os males do País, está aí alguém disposto a ajudar com qualquer coisita para um dentista, o luxo de uma despesa no supermercado?! Os diagnóstico de técnicos inteligentíssimos e capacíssimos não nos matam a fome. Nem nos consolam as relíquias interpretativas do grande logro de há alguns anos: «O crédito fácil e um Estado generoso mascararam as fragilidades da nossa economia e removeram todos os incentivos para fazer reformas laborais e nos mercados». Alguém entronize o Rei Moedas e lhe dê um prémio pela clarividência. Nós os cegos, entretanto, ainda não vemos nada. Nem empregos. Nem recursos. Nem rendimentos dignos. Nem dinheiro para um dentista. Para matar a fome.

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