AUTÓPSIA AO SOARISMO III

«O «triunfo da política» e dos seus principais protagonistas, exactamente pelo modo como foi construído o regime após o 25 de Abril, começa a revelar perigosos sintomas de erosão da credibilidade das instituições, evidenciados pela crescente descrença popular. A democracia portuguesa, no actual contexto ocidental, embora irreversível na sua aparência formal, resvala perigosamente para «um corpo de funcionários sem legitimação democrática directa ou indirecta, como é, entre nós, o corpo de magistrados», que é dominado «por certas correntes que professam uma concepção militante, radical e fundamentalista da magistratura, a qual, geralmente aliada ao protagonismo político de alguns, tem subjacente uma cultura de intervenção, quando não de contrapoder e confronto com os órgãos de soberania político-representativos». À semelhança do que acontece em Itália, berço do pensamento e acção fascistas que assolariam a Europa nos anos 30, também hoje é legítimo perguntar se o «governo dos juízes» que tem vindo a devastar aquele país, não estará a ser aproveitado para fins políticos também em Portugal, onde o protagonismo de alguns juízes, recentemente convertidos à democracia, tem feito impunemente os seus progressos perante uma cada vez mais amedrontada «classe política». Não me tendo ocorrido escrever um livro antes, daria oportunidade, em 1990, a um semanário lisboeta que prometia desvendar mistérios através de um respeitável jornalismo de investigação, de se ocupar da difícil e ingrata tarefa de «investigar» o estado da Nação em matéria de compadrio e tráfico de influências. Lamentavelmente, o resultado não passaria de uma pusilâmine caça às bruxas e da reprodução de reles «fugas» de indisfarçável apologia fascista, bem inseridas numa estratégia, que, a vencer, conduzirá, inevitavelmente, ao «estado dos juízes». Tratou-se do chamado «fax de Macau» e da cegueira com que o processo, a todos os níveis, seria conduzido. Numa total inversão de papéis e segundo uma ética dificilmente digerível, a própria «jornalista de investigação» se revelaria «jornalista-testemunha» empenhada, através da mentira e do perjúrio, em cruxificar as suas «fontes», ajudando a cruzada da magistratura.» Rui Mateus

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