LESTE INAUDITO
«Quando se fala da “Europa”,
só se fala da Alemanha,
da França, da Espanha,
da Itália, da Irlanda, da
Grécia ou de Portugal.
Por outras palavras, só
se fala da Europa do Ocidente.
Os países de Leste nunca por
nunca aparecem na conversa,
mesmo quando fazem parte da
União ou até do “euro” , como por
exemplo a Estónia e a Eslováquia.
Para efeitos práticos, toda aquela
“zona” não existe. Como António
Costa, na última quinta-feira,
os políticos cá do canto bem se
podem comover com a grandeza
e a solidariedade desse “grande projecto”, que nasceu para maior
glória do homem e do cidadão
nesta pequena parcela do mundo
civilizado. Mas deixam sempre
de fora a pobre gente que nasceu
para lá de Viena. Para eles, como
para Metternich, a Ásia começa
nos subúrbios de Viena, mais
precisamente, na estrada para
Budapeste. Não por acaso, ainda
hoje Viena tem um certo ar de
cidade da fronteira.
Sucede que na fronteira dessa
“excrescência”, que vai da
Áustria à Rússia, estão alemães. O
velho Império Habsburgo serviu
de tampão entre um “bloco” e
outro, até ao fi m da I Guerra,
em 1918. E, segundo a ortodoxia
histórica, foi a ausência da
Rússia (nessa altura no começo
do estalinismo) e da América
(dominada pelo horror a uma
segunda guerra estrangeira) que
deu a Hitler o tempo, a liberdade
e o espaço para fazer o que
fez. A França, desde 1814 uma
potência menor, e a Inglaterra,
irremediavelmente enfraquecida,
traíram a Europa de Leste sem
um sobressalto. Enquanto o
Ocidente era relativamente
poupado, o nazismo arrasava a
Polónia, os países do Báltico, a
Ucrânia, a Roménia, a Jugoslávia
e a Hungria. E, no fi m, por razões
que se compreendem, entregava
esses pobres milhões, que não
estimava e por quem, no fundo,
não se interessava, aos cuidados
do terror comunista.
Esta segunda traição durou
50 anos: 50 anos em que, desde
o Báltico ao Mar Negro e de
Riga a Berlim, quase toda a
gente sonhou com a “Europa”
da propaganda: livre, rica,
“respirável”. Infelizmente, depois
de 1989, encontrou uma realidade
mais dura e a arrogância e
indiferença do Ocidente. Com a
agravante de que o colapso da
URSS e o afastamento progressivo
da América para as querelas do
labirinto árabe puseram de novo
um Leste sozinho e fraco perante
a Alemanha. Sob os mesmos
programas de “austeridade” do
que nós, mas sem um auxílio
comparável ou qualquer
infl uência internacional, a Europa
que se julgou salva da miséria e da
interferência externa (e trabalhou
20 anos para isso) sofre hoje em
homenagem ao défice e à dívida
externa a punição dos vizinhos,
que se habituou a estimar e queria
imitar. Mas ninguém a ouve.» Vasco Pulido Valente
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