DOIS OU TRÊS ODORES

Ontem, Estação da Trindade, eram seis e meia da manhã, havia um rebanho exaltado de fiscais da Metro do Porto, seguranças da Metro do Porto, a cumprir o seu dever [toda a noite e madrugada o cumpriram] e, mais discretos, postos para canto, polícias a tomar notas. Nessa gare, a essa hora, dois problemas com díspares odores: por toda a gare cheirava a uma dúzia de vadiantes romenos, homens, mulheres e meninas, com os seus lenços e as suas saias de cores demasiado berrantes para se misturarem connosco escapando ao escrutínio dos olhos e dos narizes, ora extraídos à bruta das composições, em que por hábito insistem em viajar gratuitamente, ora impedidos dramaticamente de embarcar de modo furtivo e aflito, valsa que se dançava. Mas havia mais. Estudantes. Um deles não estava bem. Pontapeou a porta de repente fechada da composição em que, cambaleando, pretendia entrar e depois mostrou-se bruto e insolente com quem lhe meteu a mão, prontamente rodeado pelo povo de serviço. A Polícia tomou conta da ocorrência. A festa talvez lhe tenha ficado negra e cadastrada. Quando entrei para o meu destino, o veículo tresandava ao metabolismo humano do álcool e havia moças esparramadas pelos assentos em poses de ninfa, mas arrotando, bramindo e bradando à Adamastor. O cheiro dos romenos e o pivete a álcool com estágio corporal foram talvez o que de mais humano me reservou esse dia em que prospectei Amor. No regresso do trabalho, num autocarro qualquer que atravessa o meu Porto, uma mulher bela o conduzia, reparei com amor e enternecimento na face vincada do meu Povo, nos velhos que passeiam, se desequilibram e rebolam no veículo atabalhoado e veloz, ou que se vêm sentar perto exalando aquele intenso e adocicado odor a urina com que caridosamente só se pode condescender; reparei nos jovens e nos adultos desocupados cujo olhar é baço, a boca silente-navalha, e o coração perdido: estive olhos nos olhos com este meu amado Povo que a Política não ama, não sabe o que é servir, e tem traído, devorando ávida e particularmente o que deveria ser geral e bem partilhado. Bastaria que estas gentes fossem amadas pelos actores políticos para que o decidir se fizesse humano. Em vez disso, esta miséria e esta mesquinhez filhas do Ludíbrio. Saber que não é preciso impor a ideologia da selva e da correlação de fraquezas em Portugal, saber que ela-selva medrou, impante, desde sempre. Vestida de Esquerda, quando deu jeito. Rapando tudo e praticando a Glutonaria de Direita, no exercício nocivo do Poder, de preferência sem que ninguém pudesse dar-se conta.

Comments

Passaroco do Mondego said…
Magnífico, Joshua. Subscrevo com licença de certo modo o que também podia ser escrito por aqui, na cidade à beira do Mondego!...
Saudações!...
Passaroco do Mondego said…
Esqueci-me: Muito obrigado pela partilha

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