FORÇA-TAREFA PARA QUE TIRES O DEDO DO CU

Não posso ir a manifestações quando tenho fome. Se me anunciam tumultos, pelo andar da carruagem nacional, recordo que não os patrocino com a barriga vazia, tal como não me meto em problemas, se transido de apetite. Tampouco me introduzo nas lojas Pingo Doce se percebo que é para horas de seca, pois sei que terei ainda mais fome e o tempo de qualidade faz-me falta. Gosto de promoções, coisa que partidos e sindicatos não fazem, tiram-nos tudo, a esperança principalmente. Sou precário. Semidesempregado. Quando vejo os sindicalistas portugueses discursar, reparo que têm razão, mas não têm soluções nem trazem um farnel para repartir connosco. Se lhes pedir um pão, oferecem-me um cigarro. E eu não fumo. Os sindicalistas portugueses em geral estão gordos e ficam muito direitos de braços cruzados atrás dos discursos de impotência do líder, a barriga muito proeminente e o bigode, aquele bigode com trinta anos de recorte, flanando à brisa chuvosa da tarde. Precisava de uma Esquerda que fosse às compras ao Pingo Doce sem preconceitos e me oferecesse um brinde e um bónus: um saco de café, um saca-rolhas; que todas as semanas tivesse uma iniciativa inteligente de protesto que fizesse pensar os media domados e os indomáveis aprendizes de governante e não bloqueasse a economia porque economia é eu ter menos fome ou não precisar de tê-la. Seria lindo que a nossa Esquerda Petrificada tirasse o dedo do cu e organizasse boicotes selectivos a uma qualquer gasolineira alternadamente a fim de todos obtermos efeitos e ganhos práticos, preços em declínio, qualquer coisa onde de repente as massas inexistentes nas praças do protesto nulo fossem milhões de indivíduos unidos num propósito comum, milhões de pessoas a agir com pouco esforço e nenhuma fome. Palavra de ordem: partilhar ou morrer inchado. Entrei ontem animoso por uma loja Pingo Doce adentro, furando entre uma multidão de ventres reciprocamente prensados. Ia carregado de sacos levados de casa e desisti ao fim de cinco minutos. Tive inveja, infinita inveja, dos que se precaveram. Eu me não precavi. Invejei os que ficaram nas filas de muitos metros para muitas horas, com o carrinho a abarrotar de fruta, de enchidos, de suculentas partes de frango assado. As fraldas que não comprei! A carne que nunca vejo. O leite que sabe Deus! Deus sabe com que sorriso amarelo abandonei a loja.

Comments

Miguel said…
Do melhor que já li de ti. Parabéns. O meu 1º de Maio foi mais calmo, a trabalhar, mas calmo e sem supermercados.

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