DO FACILITISMO DOS GRAUS ACADÉMICOS

“Quando toda a gente é alguém, ninguém é alguém!” (W. G. Gilbert). Em louvável oportunidade, no postDoutoramentos na hora”, chamou Helena Damião a atenção para a falta de pudor em haver mestrados e doutoramentos obtidos através de convénios entre escolas politécnicas portuguesas e universidades estrangeiras, como que a modos de casamentos por procuração sem os nubentes sequer se terem visto. Mesmo antes, aquando da passagem das antigas escolas do magistério primário a escolas superiores de educação, foi feito um protocolo com uma universidade de Boston que atribuiu mestrados em três meses de duração aos seus professores licenciados. Um dos contemplados na rifa foi Valter Lemos, actual secretário de Estado do Ministério da Educação e ao tempo professor duma dessas escolas do magistério primário. Naquilo que eu tenho hoje por “Antigas Oportunidades”, o mesmo aconteceu em escalões académicos de menor graduação, assistindo-se a casos de diplomados com cursos médios que frequentaram uns meses escolas "superiores” privadas, criadas à pressão para lhes venderam uma licenciatura. Depois, foi só ir até à vizinha Espanha, no dizer de Eça, “boa amiga, que dorme deitada a nosso lado o sono da indiferença, tendo por travesseiro os mesmos montes e por lavatório os mesmos rios”, para de lá regressarem, em menos de um fósforo, “mestre” e “doutor”. Razão dou-a, de boa mente, a Sophia de Mello Breyner quando escreveu: “Depois do 25 de Abril, tenho-me sentido tentada a escrever uma peça que se chamaria o ‘Auto dos Oportunistas’, mas que é impossível de escrever porque há sempre mais um acto”.“Sendo o cómico a intuição do absurdo, ele afigura-se-me mais desesperante do que o trágico”, escreveu Ionesco. E haverá coisa mais absurda e trágica para uma sociedade desenvolvida (ou que o pretende ser, pelo menos) do que a distribuição de graus académicos com quem distribui uma dádiva a um desgraçado ávido de subir na escala social, mesmo que à custa de golpadas?Como já escrevi noutro lado: “No estertor da monarquia o fascínio pelos títulos de nobreza concedidos a granel (a que o festejado Camilo não foi capaz de se subtrair, só descansando quando o fizeram visconde, logo ele que tanto criticara esses títulos) deu azo ao dito jocoso: ‘Foge cão, que te fazem barão! / Para onde, se me fazem visconde?’ Em nossos dias, com idêntica razão, desajustado me não parece parafrasear: ‘Foge gato. Que te dão o bacharelato! / Para que lado, se me fazem licenciado?’ Mas, em tempo algum, as licenciaturas tiveram como destino trágico servirem o ego da legião de desempregados…ou a exercerem profissões para que a seriedade do diploma da antiga 4:ª classe capacitava. E bem!” (Diário de Coimbra, 26/07/2001). Mas ia ainda a procissão no adro! Anos mais tarde, porque este triste panorama longe de tomar juízo nas cabeças que o permitiram e apadrinharam, voltei à carga em crítica a uma situação tanto ou mais grave do que a já referida. Escrevi então: “Mas porque, ao contrário do que nos legou o poeta, nem sempre se mudam as vontades com os tempos, acrescento desta feita: ‘Bate as asas canário/ Para além do bónus do mestrado / Não se trata de imaginário/ Com mais um pouco sairás doutorado!' Mas será que há a coragem e a vontade política em vencer um estado mórbido provocado por detractores do saber científico, mezinhas de curandeiros de uma falsa pedagogia e agravado por leis frouxas da responsabilidade de diversos governos ou simples declarações de boas/más intenções dos seus responsáveis? Nada há que uma boa purga não expulse cá para fora!” (Diário de Coimbra, 31/07/2005). Hoje pouco ou nada mudou quanto ao facilitismo dos graus. Mas será que custa assim tanto entrar no bestunto dos nossos governantes que, com isto para inglês ver e aumentar as estatísticas de gente "diplomada”, se está a hipotecar a respeitabilidade cultural e científica do país e a troçar da juventude que se esforça em ter um lugar ao sol numa sociedade ensombrada por diplomas a pataco?» Rui Baptista, De Rerum Natura

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