NATUREZA E ESCOPO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA


Left: Justice by Luca Giordano. Rechts: Gerechtigkeit als nackte Frau mit Schwert und Waage. Lucas Cranach d.Ä., 1537.
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José Adelino Maltez numa reflexão larga, incisiva e cristalina, bem fundamentada e oportuna, que vale bem a pena ler: «A questão da escolha de um novo Provedor de Justiça é assunto político de mais para se ficar apenas pelos bailados negociais entre os dois partidos dominantes, e até mesmo entre todos os partidos com representação parlamentar. Porque não se trata da formal representação política do Estado, enquanto estadão ou aparelho de poder, mas antes de um órgão independente que devia servir para dar voz aos cidadãos que se “queixam” das “injustiças” dos “poderes públicos”. Serve como instrumento de defesa e resistência da comunidade, ou república, que precisa de um comissário capaz de formular “recomendações” para a prevenção e a reparação das injustiças. Isto é, o Provedor não actua no estreito limite da chamada administração magistral da justiça, mas antes para além dos meios ditos “graciosos e contenciosos” que navegam no mar da mera licitude. Porque nem tudo o que é lícito é honesto. Tal como a justiça é superior ao direito, e este superior à lei. Logo, o Estado de Direito, que já não é um mero Estado de Legalidade, como pode acontecer numa ditadura, gerou este último recurso para a aplicação da justiça no caso concreto, onde, muitas vezes, a mera régua de ferro, da rígida legalidade, não serve, sendo necessária uma regra de chumbo, flexível, que permita a equidade. Aliás, “ombudsman”, na matriz sueca, onde o cargo surgiu em 1719, contra o absolutismo, quer dizer comissário, procurador ou representante, tendo algo a ver com o nosso “juiz do povo” do consensualismo pré-pombalista. Logo, o perfil do provedor deve passar essencialmente por um homem livre dos partidos e da finança, devendo, sobretudo, inspirar confiança pública. E por mim, deveria também estar livre das pequenas repúblicas corporativas dos professores, dos magistrados e dos políticos retirados, a que chamamos senadores. Deveria ser, outra vez, o juiz do povo, contra os poderes que se gastam pelo uso e podem até prostituir-se pelo abuso. Quando a partidocracia cai na esparrela de recorrer aos carimbos catedráticos da tecnocracia jurídica, fazendo um desfile de nomes, com Miranda, depois de Freitas e Alarcão e antes da Maria da Glória, quase nos esquecemos que o nosso provedor não foi feito pela constituição e pelos constitucionalistas, mas antes pelos congressos da oposição, com destaque para a acção cívica de José Magalhães Godinho e por toda essa geração de advogados da resistência, entre os quais se destacam nomes que ocuparam a função como Ângelo Almeida Ribeiro e Mário Raposo, para falar de três dos nossos insignes provedores. Isto é, se atendermos à tradição portuguesa, nenhum dos sete era catedrático ou doutor em direito. Para além desses três distintos advogados, há dois altos funcionários públicos (o último e o penúltimo) e um oficial de Abril. Do magistrado, apenas registo a história que Godinho conta no seu "Causas que formam Causas" e por isso, de inquiridores do Estado Novo, boicoto o nome. Por outras palavras, dos seis referendáveis pela minha análise, três eram da área socialista e outros tantos da área social-democrata e, neles, nunca a militância partidária e ministerial foi causa para falta de independência, até porque, neles, não consta o rasto da avença serventuária, da parecerística manhosa ou da colocação de parentes em regime clientelista. Eram homens livres da finança e dos partidos, como dizia a revista de Sérgio e Hipólito de 1925. Quando a partidocracia nos engana com um desfile de um pretenso concurso de catedráticos, para saber qual deles está mais próximo do ministro Silva Pereira ou de D. José Policarpo, apenas digo que precisamos de um verdadeiro juiz do povo que até seja o vicentino Juiz da Beira, com provas dadas contra o burocratismo, experimentação na luta contra a lentidão na administração da justiça e rebeldia q. b. contra a ilusão da prebenda e do penduricalho. E que todos peçam desculpa ao actual, a quem acabaram por comprimir a plenitude, não por causa das declarações do porta-voz do PS, que as empresas de trabalho precário provedorizaram em trabalho dependente, mas porque não respeitaram a função do umboo-maor, originada no germanismo consensualista e coisa da reserva absoluta da Assembleia da República, que não pode ter intervenção presidencial. Estudem Herculano e Merêa e reparem que funções equivalentes estão registadas na nossa própria história desde D. Dinis e com patentes demonstrações em D. João II, conforme o estudo levado a cabo por esse insigne jurista brasileiro chamado Miguel Reale e que os actuais manuais de direito constitucional parecem ignorar. Se querem negociações, negoceiem também, os 10 juízes do Tribunal Constitucional, o presidente do Conselho Económico e Social, os sete vogais do Conselho Superior da Magistratura, bem como o presidente do Tribunal de Contas e do Banco de Portugal. Demonstrem como foram partidocratizados todos os nomes parajudiciais de eleição partidocrática. E deixem de utilizar notáveis como bolas de trapos, de Rui Alarcão a Freitas, de Arnaut a Miranda, passando pela minha querida colega Maria da Glória Garcia e outros, desta última geração, a quem os mais velhos também deveriam respeito, para não aderirem à tese do fim da história, naquela versão lusitana do Luís XIV, onde muitos consideram que, depois deles, o dilúvio...»
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José Adelino Maltez, Sobre o Tempo que Passa

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