COISAS QUE NUNCA IRÃO ACONTECER



1. António Vilarigues faz um notável apanhado sobre o que foi o século XX judeu e palestiniano desde que, em 1947, a ONU aprova um plano de partilha da Palestina em dois estados: um judaico, com um milhão de habitantes, 510 mil dos quais árabes; um árabe, com 814 mil habitantes, 10 mil dos quais judeus, passando por Jerusalém, cidade santa para três religiões, e que desde logo ficaria com estatuto de cidade internacional, passando pelas estimativas dos números da época, que determinam que a população árabe da Palestina seria de um milhão e 300 mil pessoas e a judaica rondaria o maeio milhão, passando pelos factos históricos e as iniciativas que foram redesenhando o território e estabelecido um desequilíbrio em matéria de domínio dele assim como de nível de vida entre uma população e outra: assim, a 15 de Maio de 1948, David Ben Gurion proclama o nascimento do Estado de Israel, porém com uma fronteira radicalmente diferente da aprovada pela ONU e com um território um terço superior ao acordado, permitndo que se diga que o "Grande Israel" davidiano estava em marcha. O Estado Palestiniano era um nado-morto e, escreve Vilarigues, "até hoje". Eu acrescentaria, até sempre porque muito dificilmente os sectores mais extremados da sociedade israelita adoptarão uma visão mais humanista ou desenvolverão uma mentalidade de compensação e harmonização entre os dois povos, uma visão como a do professor Richard Falk, relator especial do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, como Daniel Barenboim e Mariam Said, os promotores da paz através da música, como o PC de Israel e a Frente Democrática para a Paz e a Igualdade que nestes dias se reuniram em Ramalah com representantes de facções da esquerda palestiniana, incluindo a Frente Democrática para Libertação da Palestina, a Frente Popular para a Libertação da Palestina e o Partido do Povo Palestino (comunistas), como os militares que se recusam a disparar e a bombardear a Palestina. Como tantos e tantos outros que em Israel e na Palestina defendem um processo de paz genuíno. Não está na sua natureza abdicar de território por paz porque o território é-lhes mais sagrado que a paz. Do mesmo modo, nunca se verificará a retirada do exército israelita para as posições anteriores às ocupações de 1967 ou a destruição do muro; nunca se verá o desmantelamento de todo o sistema de colonatos israelitas; nunca na prática se verá o fim do cerco a Gaza; nunca será encontrada uma solução para a questão dos refugiados palestinianos de acordo com as resoluções da ONU, nunca veremos o reconhecimento do direito do povo palestiniano à edificação do seu Estado, livre, independente e viável e muito menos com capital em Jerusalém Leste, e muito menos essa ideia de viver lado a lado com Israel; nunca se verificarão todas estas condições para que possamos falar de uma real paz justa e duradoura na região. Nunca. É escusado sonhar. A lógica no terreno trilhará sempre um caminho bem diverso. Na prática, e basta consultas mapas, discursos e reais disposições na coesa sociedade israelita para saber que não faz parte da sua cultura reverter em nada tanto sangue derramado. Por isso mesmo, sucederá com o Estado Fantasma da Palestina o mesmo que sucedeu ao Reino Andaluz e com outros processos de reconquista medieval de um território europeu séculos antes cristão: serão esses processos longos, serão penosos, suscitarão problemas com o Papa, com a ONU, com o Imperialismo Persa, com as Ditaduras Árabes, mas Israel é uma realidade demasiado ancestral, a sua Torah tem demasiados topónimos sagrados vinculativos com o desígnio religioso e a respectiva expectativa messiânica para que as coisas alguma vez sejam diversas das tendências do presente. Podem, aliás, ser bem piores a favor de Israel. Por isso mesmo, sendo certo que António Vilarigues não falha no diagnóstico, falha nas expectativas ao elencar condições para um certo tipo de Paz que nunca se verificarão. Aliás, o caos, o estado de guerra e mesmo a miséria com a qual diligentemente se cumula o povo palestiniano, tudo isso é processo deliberado de quem pensa: não nos dispersámos entre as nações nem sofremos perseguições e liquidações em massa bimilenares para nada. O Território Todo é religião para o Israel mais profundo e em muito maior grau que da mesma forma o território é religião para o islão palestiniano. A correlação de forças no terreno já resolveu o assunto há muito tempo.
lkj
2. Sem surpresa, empolgado com o avolumar do número de vítimas e o seu impacto fácil sobre a incomodidade de um Ocidente que sempre embarcou no jogo sujo dos chantagistas e dos violentos, o Hamas “rejeita” a resolução 1860 do Conselho de Segurança das Nações Unidas que apela a um cessar-fogo imediato, alegando que não serve os interesses do povo palestiniano, afirmou hoje um responsável do movimento islamista no Líbano. De resolução inútil em resolução nula da ONU, a última votada ontem à noite e adoptada por 14 votos em 15 com naturalíssima abstenção dos Estados Unidos, o Hamas reitera: “Rejeitamos esta resolução porque não serve nem os nossos interesses nem os do povo palestiniano”, afirmou Raafat Morra.“ Esta resolução não leva em conta as aspirações e os principais objectivos do povo palestiniano”. Está tudo dito: suicidariamente, o Hamas provocou continuadamente o Sul de Israel e não abdicará de continuar a provocar até que o volume de vítimas e de mártires averbados em Gaza vá comovendo e pressionando uma certa opinião internacional contra Israel, opinião e activismo conhecidos pela sua volubilidade e relativa indiferença com tantos outros conflitos longínquos e longínquas matanças enquanto decorrem e se transformam em factos consumadíssimos. Decididamente, não há futuro para o Hamas, para o seu exclusivismo, para a sua violência sem sentido, para os seus processos desalmados contra populações que desejam somente viver em paz. Não é à toa que esse movimento está a ser, ao que parece com a anuência da Arábia Saudita e com a compreensível fúria do Irão imperialista, extinto, decapitado, destruído.

Comments

antonio ganhão said…
Faltou diagnosticar se esse povo da Palestina é viável sem ser em ambiente de guerra...
Unknown said…
Sinto que este artigo é um pouco tendencioso, quando é dito em relação ao Hamas "violencia sem sentido". Temos que ter em conta que toda a acção tem consequências e o Hamas é a consequência lógica do campo de concentração que foi criado em Gaza. Se eu fosse palestiniano, vivesse nas condições que eles vivem também lutaria. É claro que hoje ninguém tem culpa excepto os homens no poder.
Blondewithaphd said…
No peace, no truce, ever! No matter what we say, no matter what happens, in the end: no matter what, there will be nothing but everlasting war.
Estávamos à beira da piscina de água salgada do hotel da Inhaca. Todos os anos, o escusado feriado do 5 de Outubro servia para passarmos três dias naquela ilha situada na baía do Espírito Santo, diante da cidade de Lourenço Marques. Organizado o grupo de turistas ocasionais, os nossos pais aproveitavam o início do verão austral para uns dias de descontracção, desfrutando do convívio com os amigos e a excelente gastronomia propiciada pela cozinha do hotel. Naquele dia 6, alguém nos informou que os árabes tinham iniciado um ataque às posições israelitas na linha Bar-Lev no Sinai, reeditando em sentido contrário, o efeito surpresa de 1967. Em 1973, uma nítida prevalência do politicamente correcto imposto pela esquerda já todo-poderosa nas mentes dos círculos esclarecidos pelos pontapés nas latas de lixo do Maio 68, ditava a necessidade da eliminação de Israel, o "agente sionista que servia os interesses do imperialismo norte-americano" no Médio Oriente. Recordo-me da expressão preocupada da minha mãe, uma indefectível pró-isarelita, acabrunhada pelas primeiras notícias chegadas da frente de combate e divulgadas pelo Rádio Clube de Moçambique. O desastre parecia irreversível e a destruição das forças israelitas, um indesmentível facto comprovado pelas pilhas de soldados mortos, canhões capturados e carcaças de tanques calcinados no Sinai. Era a hora das ululantes celebrações para alguns dos habituais convivas das tertúlias lá de casa, onde pontificava o histrionismo estalinista de um conhecido jornalista da revista Tempo. Militante do PC e seguidor fiel dos interesses geopolíticos da União Soviética, era com incredulidade que o ouvíamos discursar desabrida e violentamente contra a posição portuguesa em África e a irreversível vitória final do comunismo no mundo. Naquele tempo, já há muito se tinham evaporado as esperanças de um Israel vermelho, peão de Moscovo numa região ainda fortemente dominada pela presença ocidental. Estaline esperara-o com ânsia e dera as suas ordens para o reconhecimento do novo Estado na ONU. A realidade imposta pela memória recente do dúbio papel dos soviéticos antes e durante a guerra mundial, foi o cadinho onde se forjou a aproximação de Telavive ao Ocidente.

A primeira semana foi a de todas as esperanças numa blitzkrieg que trouxesse os T-55 russos às portas de Jerusalém, destruindo a existência de um país ainda com pouco mais de duas décadas de independência. Cantavam-se hinos à excelência do equipamento soviético e à perícia genial dos instrutores russos que tinham conseguido organizar as pungentes massas de fellahs, em hostes de guerreiros bem armados e invencíveis. Ninguém procurava nem falava em qualquer tipo de cessar-fogo, pois a vitória era certa. Não importava o número de baixas, mas sim o esmagar do odiado obstáculo aos objectivos soviéticos

A posição da administração Nixon foi clara, rápida e eficaz e esta resposta contou também com a anuência portuguesa que permitiu o reabastecimento urgente das IDF através dos Açores.

Sabe-se qual foi o resultado da contenda. Dez dias decorridos após o ataque árabe, o exército israelita tinha cruzado o Suez e estava a 100 km. do Cairo, iniciando-se assim, a frenética exigência soviética -com ameaça nuclear - pela cessação das hostilidades, salvando os seus aliados do colapso e da vergonha de uma estrondosa derrota militar de imprevisíveis consequências.

A guerra do Yom Kippur e o parcial sucesso obtido pelos egípcios no seu início, consistiu no ideal salvar da face do regime do general Anwar el-Sadat, sem dúvida um homem moderado e de grande dignidade pessoal. Quando do cessar fogo, os russos tinham perdido para sempre o mais poderoso aliado na região e iniciava-se o processo político que conduziu ao tratado de paz e estabelecimento de relações diplomáticas entre o Egipto e Israel. Para grande desespero dos amigos militantes do PCP que povoavam a nossa sala de jantar e para o nosso vingativo gáudio - da minha mãe, meu e do Miguel-, a União Soviética tinha averbado um pesado revés, tão mais grave porque comprometia irreversivelmente o seu prestígio em todo o chamado mundo árabe. Recordo-me de então ouvirmos no nosso quarto e com o som ao máximo, discos das Barry Sisters e de Rika Zarai, enquanto na sala de visitas, alguns espumavam de raiva: Bei mir bist du schejn...


Nesta questão do Médio Oriente, os interesses económicos mesclam-se naturalmente com a luta pela supremacia geoestratégica dos principais intervenientes na cena política mundial. Liquidada a URSS e para sempre pulverizado o seu império em realidades políticas nacionais, os EUA fizeram exercer o seu papel tutelar e mesmo apesar do contratempo imposto pela mal conduzida política no Iraque, ninguém contesta hoje o forte pendor ocidental de regimes como o jordano, saudita, egípcio e dos Estados menores da área do Golfo.

Israel foi ao longo de cinquenta anos, a espada que zelou pela segurança de uma Europa entorpecida pela decadência da sua outrora poderosa influência na política mundial. Os ímpetos do extremismo islamita que apontam a própria península ibérica como um objecto de futura reconquista e a desejada desestabilização do Magrebe, oferecem um preocupante cenário de irresolúveis problemas futuros nos quais o nosso país será fortemente envolvido. A corrupção, inépcia, esterilidade da produção intelectual e brutal forma de organização social nos países "árabes", tornam Israel no preferencial e mais seguro aliado do ainda existente Ocidente.

Há perto de cinco séculos, no exacto momento em que a Europa era pelos otomanos invadida através dos Balcãs, as galeras do sultão faziam aguada no porto de Marselha, contando com o beneplácito de um Francisco I desejoso do enfraquecimento do imperador Carlos V. No século XVII, quando da derradeira incursão turca na Europa central fez chegar os janízaros às portas de Viena, Luís XIV atacava a rectaguarda cristã representada pelos territórios dos Habsburgos na Flandres e em Espanha Desta forma, prejudicava gravemente a posição de Leopoldo I que sempre contou com o auxílio dos tercios enviados pelos seus primos de Madrid. Em 1717, a esquadra francesa deixava os seus aliados isolados para enfrentar a armada turca no Cabo Matapan, fugindo para um porto seguro. A vitória conseguida pelos portugueses, impediu a ameaça à segurança marítima do Mediterrâneo oriental. Quando décadas mais tarde Bonaparte entrou efemeramente vitorioso no Cairo, declarou-se muçulmano, procurando estabelecer no antigo reino dos faraós, a sólida base para as ambições do seu poder pessoal.
Ciclicamente, as actividades diplomáticas do Quai d'Orsay, são consentâneas com a tradicional política francesa de obtenção de vantagens egoístas, olvidando a nova realidade política europeia da qual a França é fundadora e elemento de primordial importância. O simples factor de pressão psicológica que é representado pela presença de muitos milhões de "árabes" dentro das suas fronteiras, torna a posição de Paris bastante previsível e inóqua na seriedade da sua política que não pode deixar de ser equacionada sob o prisma da desconfiança e inconsistência.

Pouco conheço acerca da cultura judaica e creio jamais ter conhecido um judeu ou um israelita. Já me cruzei com alguns nas ruas de Paris, Londres, Nova Iorque e até em Lisboa, ao sábado, quando frequentam um café da zona do Rato, após o cumprimento dos seus afazeres religiosos na sinagoga. No entanto, estou seguro da minha convicção acerca da proximidade que existe entre a forma de organização política e social vigente em Israel e aquela que a totalidade dos países do Ocidente perfilha. É este exemplo prático da política o que é mais importante e verdadeiramente interessa. Tudo o mais são meros artifícios, divagações e preconceitos de outros tempos. Deixo apenas uma questão, talvez de pormenor, acerca da categoria moral em que esta guerra pode ser avaliada:

- Como teria a comunidade internacional reagido nos anos 60 e 70, se o exército português se tivesse entrincheirado em quartéis construídos no meio da população civil, fazendo-a pagar o elevado preço dos normais danos colaterais infligidos pelo inimigo?

É exactamente esta, a situação imposta pelo Hamas ao seu próprio povo.

Na verdade, Israel tem sido ao longo deste último meio século, o eficiente guerreiro que combate com a espada de Jan Sobieski. Saibamos compreendê-lo, pois a velha máxima do ..."inimigo do meu inimigo"... é actual e inultrapassável.
Lura do Grilo said…
Caro Birdie
Os palestinianos vivem como o Hamas quer. E vão vivendo porque Israel lhes oferece alimentos, energia, medicamentos, trabalho. O Hamas só oferece o povo em sacrifício e distribui ódio gratuito. O dinheiro investe em armas.
De países árabes amigos nada chega em ajuda económica: o povo é o peão do islamismo-nazi.
Unknown said…
Caro Lura do Grilo,
Quem o ouvir falar parece que os palestinianos devem estar gratos aos Israelitas pela abundância de trabalho, alimentos, condições básicas de vida...e daí talvez não...Aconselho o a ler as cartas que uma rapariga americana, que trabalhava numa ONG, enviava à mãe onde ela falava da bondade Israelita e na vontade dos mesmo no progresso do povo palestiniano...

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